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por: Maria José Fazenda e Óscar Faria
27.07.2009
Um dos momentos mais importantes e incontornáveis da programação coreográfica na Capital Europeia da Cultura foi protagonizado pela Merce Cunningham Dance Company, que durante três dias esgotou a sala do Rivoli.
Cinco obras coreográficas, musicais e plásticas - "RainForest", "Interscape", "Pond Way", "Windowns" e "Biped" -, distribuídas por três programas, que são reveladoras de um percurso de descoberta permanente por que se pauta, desde o início, nos anos quarenta, o trabalho do coreógrafo norte-americano Merce Cunningham.
Em intervalos sensivelmente de vinte anos (tantos!!!), Merce Cunningham esteve pela terceira vez no Porto, e a quarta em Portugal - a última foi em Lisboa'94.
Da utilização do acaso, da independência dos vários elementos do espectáculo - dança, música, cenografia-, passando pela utilização do programa de computador "LifeForms" e, mais recentemente, pelas novas tecnologias de animação por captação de movimento, toda a filosofia e metodologia de Mercê Cunningham apontam no sentido de uma democratização e de um alargamento das potencialidades da dança.
Em entrevista, Mercê Cunningham relembra alguns momentos deste percurso e explica o seu interesse pelas potencialidades das novas tecnologias.
Desde 91, especificamente desde a criação de "Trackers", que todas as suas obras são parcialmente criadas com o auxílio do programa de computador LifeForms. Como é que procede?
O LifeForms tem uma figura que se parece com o corpo humano a partir da qual trabalhamos. Construímos uma determinada configuração com essa figura; depois, num outro ponto da mesma linha temporal, realizamos outro movimento, sendo de seguida o computador que realiza a ligação, a deslocação, de um ponto ao outro.
Dando um exemplo, podemos ter as nossas mãos aqui [Cunningham coloca-as à frente do ombro do lado esquerdo] e dez segundos depois colocá-las no lado oposto, e o computador estabelece a ligação, desenhando o caminho mais directo de um ponto ao outro. Este é um exemplo muito simples, mas pode-se utilizá-lo com movimentos mais complexos.
Por vezes não é difícil colocar nos corpos reais aquilo que a figura virtual faz?
Oh, sim! Mas continuamos a tentar [risos].
No início foi muito difícil, mas gradualmente fomos compreendendo e aprendendo a trabalhar com ele. É uma questão de continuidade e, à medida que o tempo avançava, ia fazendo movimentos cada vez mais complexos. Quando se está face a uma coisa difícil, não se pode parar, tem que se continuar sempre a tentar, até que se encontrar a forma de o fazer.
Como é que avalia o contributo para a dança da utilização do LifeForms?
Vejo com ele possibilidades de movimento que não tinha visto antes, uma forma de ir de um ponto ao outro, de uma configuração à outra. Dá-nos ideias de movimentos que não se tinham visto nem descoberto antes, possibilitando ainda quebrar e ultrapassar hábitos corporais que são limitativos e que se podem de facto modificar. Para mim tem sido muito interessante.
Basta olhar para a diversidade das formas e qualidades de movimento das suas danças para perceber que Mercê Cunningham é um excelente observador da diversidade dos movimentos humanos e também dos movimentos da natureza...
Sempre achei que a variedade dos movimentos do corpo humano é limitada. Toda a gente tem duas pernas com que anda mas, se olharmos bem, vemos que cada pessoa anda de uma maneira diferente. Vemos, de facto, uma multiplicidade.
É sobretudo a partir dos anos 50 que, em colaboração com o compositor John Cage, introduziu o acaso [lançamento de dados ou moedas ao ar] como metodologia de composição. O acaso é também um procedimento utilizado com o LifeForms?
Sim, sim. A partir dessa figura de algum modo parecida com o corpo humano que tem o LifeForms, eu uso o acaso para decidir, por exemplo, o que é que os braços fazem a seguir a um movimento. Fazem o mesmo movimento a seguir, ou vão antes para a frente ou para o lado do tronco; ficam num mesmo nível, ou explora-se outro? As possibilidades são imensas.
Depois, procuro tornar essas diferenças visíveis, muito embora reconheça que elas talvez sejam mais imediatamente visíveis no ecrã do que no palco. Eu uso o acaso em todas as peças, também para decidir, por exemplo, quantos bailarinos dançam uma determinada secção coreográfica. Se fazem todos a mesma coisa ou não; se o fazem da mesma maneira...
Há ainda que decidir se o fazem da mesma forma ou em velocidades diferentes, e qual a duração de cada frase para cada um deles...
Da utilização do acaso, da independência dos vários elementos do espectáculo - dança, música, cenografia-, passando pela utilização do programa de computador "LifeForms" e, mais recentemente, pelas novas tecnologias de animação por captação de movimento, toda a filosofia e metodologia de Mercê Cunningham apontam no sentido de uma democratização e de um alargamento das potencialidades da dança.
Em entrevista, Mercê Cunningham relembra alguns momentos deste percurso e explica o seu interesse pelas potencialidades das novas tecnologias.
Desde 91, especificamente desde a criação de "Trackers", que todas as suas obras são parcialmente criadas com o auxílio do programa de computador LifeForms. Como é que procede?
O LifeForms tem uma figura que se parece com o corpo humano a partir da qual trabalhamos. Construímos uma determinada configuração com essa figura; depois, num outro ponto da mesma linha temporal, realizamos outro movimento, sendo de seguida o computador que realiza a ligação, a deslocação, de um ponto ao outro.
Dando um exemplo, podemos ter as nossas mãos aqui [Cunningham coloca-as à frente do ombro do lado esquerdo] e dez segundos depois colocá-las no lado oposto, e o computador estabelece a ligação, desenhando o caminho mais directo de um ponto ao outro. Este é um exemplo muito simples, mas pode-se utilizá-lo com movimentos mais complexos.
Por vezes não é difícil colocar nos corpos reais aquilo que a figura virtual faz?
Oh, sim! Mas continuamos a tentar [risos].
No início foi muito difícil, mas gradualmente fomos compreendendo e aprendendo a trabalhar com ele. É uma questão de continuidade e, à medida que o tempo avançava, ia fazendo movimentos cada vez mais complexos. Quando se está face a uma coisa difícil, não se pode parar, tem que se continuar sempre a tentar, até que se encontrar a forma de o fazer.
Como é que avalia o contributo para a dança da utilização do LifeForms?
Vejo com ele possibilidades de movimento que não tinha visto antes, uma forma de ir de um ponto ao outro, de uma configuração à outra. Dá-nos ideias de movimentos que não se tinham visto nem descoberto antes, possibilitando ainda quebrar e ultrapassar hábitos corporais que são limitativos e que se podem de facto modificar. Para mim tem sido muito interessante.
Basta olhar para a diversidade das formas e qualidades de movimento das suas danças para perceber que Mercê Cunningham é um excelente observador da diversidade dos movimentos humanos e também dos movimentos da natureza...
Sempre achei que a variedade dos movimentos do corpo humano é limitada. Toda a gente tem duas pernas com que anda mas, se olharmos bem, vemos que cada pessoa anda de uma maneira diferente. Vemos, de facto, uma multiplicidade.
É sobretudo a partir dos anos 50 que, em colaboração com o compositor John Cage, introduziu o acaso [lançamento de dados ou moedas ao ar] como metodologia de composição. O acaso é também um procedimento utilizado com o LifeForms?
Sim, sim. A partir dessa figura de algum modo parecida com o corpo humano que tem o LifeForms, eu uso o acaso para decidir, por exemplo, o que é que os braços fazem a seguir a um movimento. Fazem o mesmo movimento a seguir, ou vão antes para a frente ou para o lado do tronco; ficam num mesmo nível, ou explora-se outro? As possibilidades são imensas.
Depois, procuro tornar essas diferenças visíveis, muito embora reconheça que elas talvez sejam mais imediatamente visíveis no ecrã do que no palco. Eu uso o acaso em todas as peças, também para decidir, por exemplo, quantos bailarinos dançam uma determinada secção coreográfica. Se fazem todos a mesma coisa ou não; se o fazem da mesma maneira...
Há ainda que decidir se o fazem da mesma forma ou em velocidades diferentes, e qual a duração de cada frase para cada um deles...
E, às vezes, o acaso obriga-nos a lidar com coisas verdadeiramente difíceis, como colocar, por exemplo, uma grande estrutura de movimento numa duração temporal muito curta [risos]. Fico sempre surpreendido com o que encontro... Tento, tento... Quase 90 por cento das vezes é possível.
Tem trabalhado com obras de inúmeros artistas plásticos - Robert Rauschenberg, Jasper Johns, Mareei Duchamp, Andy Wahrol... Com "Interscape" reatou uma colaboração com Robert Rauschenberg. A forma de trabalhar foi semelhante ao que acontecia nos primeiros tempos?
Sim, sim. É a mesma forma. Não interferimos uns com os outros, o coreógrafo o artista plástico e o compositor. Nós fazemos aquilo que escolhemos fazer, que decidimos fazer.
Quando voltámos a trabalhar para "Interscape", disse a Rauschenberg o máximo de que fui capaz sobre a dança - ele estava a trabalhar na Flórida, onde tem o estúdio, e eu em Nova Iorque -, mas disse-lhe que sobre o cenário não tinha qualquer ideia.
E ele respondeu-me: "Deixa estar, eu hei-de encontrar alguma" [risos]. E encontrou. De vez em quando vinha ao estúdio ver a dança... Mas fazia o que queria. Com os compositores passa-se a mesma coisa: alguns querem ver a dança, outros não. Não sabem nada da dança - é óptimo de qualquer das maneiras. John Cage costumava perguntar-me qual ia ser a estrutura da dança, a extensão de algumas secções, e eu dava-lhe isso.
A música de "Interscape", de John Cage, pode ser interpretada por uma orquestra de 108 músicos ou por um solo de violoncelo, como aconteceu aqui no Rivoli. Como é que vê essa diferença?
Em Veneza e em Amsterdã, penso, dançámos com a orquestra. O som é mais abundante, mas acho que ontem o som do violoncelo tocado por Loren Kiyoshi Dempster estava particularmente extraordinário. Não me parece que em nenhuma das versões se ganhe ou perca alguma coisa.
As figuras animadas que constituem o cenário de "Biped", construído por Paul Kaiser e Shelley Eshkar, representam uma nova incursão nas tecnologias. O que é que nelas lhe desperta mais interesse?
As possibilidades daquelas figuras são imensas. Uma vez, em Nova Iorque, por ocasião de uma sessão de perguntas e respostas, alguém perguntou a Jeannie [Jeannie Steele é uma das bailarinas da companhia] se ela não se sentia incomodada por ter aquelas imagens à sua frente, e ela respondeu: "Não, sinto-me muito bem a dançar com elas, são excelentes parceiros." Eu acho que foi uma óptima resposta.
Foi no Black Mountain que começou a trabalhar com diferentes artistas, numa atmosfera nova e muito particular de colaboração entre as diferentes artes. Como é que vê hoje esse trabalho?
Foi um tempo em que corremos riscos; ligávamos as coisas umas às outras. Rauschenberg podia trazer coisas e nós víamos como é que funcionavam. Acho que esta ideia de juntar coisas díspares, sem dizermos uns aos outros o que cada um devia fazer, era uma coisa muito política, anarquista [risos]. Eu tenho de dizer aos bailarinos o que eles fazem mas, de qualquer modo, quero que eles vejam a forma como o fazem.
É um trabalho político, democrático, quer no que diz respeito aos criadores e à construção do espectáculo, quer no que diz respeito ao espectador, o público pode escolher a dança que quer ver, pois não há nada que nos obrigue a seguir um determinado movimento.
Somos livres de escolher.
Sim, sim. O espaço sempre foi importante para mim. Desde o início que procurei trabalhá-lo de uma forma não convencional.
Quando, por acaso, li a frase de Einstein "Não há pontos fixos no espaço", disse que isto era perfeito para a dança. Qualquer ponto do espaço, onde quer que estejamos, é tão importante como outro qualquer. Neste sentido, sim, o espectador pode escolher também o que quer ver.
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