Harold Pinter - 1930-2008


por Alexandra Prado Coelho
26.12.2008

Um dos maiores dramaturgos da sua geração, morreu, aos 78 anos, vítima de um cancro.
Quando o nome de um homem se torna um adjectivo é porque há nele qualquer coisa de único, de inimitável.

Era assim com Harold Pinter. O dramaturgo britânico que deu origem à palavra "pinteresco" morreu na quarta-feira, véspera de Natal, aos 78 anos, vítima de um cancro no esófago contra o qual lutou durante vários anos.

A academia sueca justificou o Prémio Nobel da Literatura que lhe atribuiu em 2005, afirmando que Pinter "devolveu o teatro aos seus elementos essenciais, um espaço fechado e um diálogo imprevisível, em que as pessoas estão à mercê umas das outras e de falsas desagregações".

E no obituário que escreveu ontem no The Guardian, o seu biógrafo Michael Billington, definia "pinteresco" como "uma situação cripticamente misteriosa imbuída de uma ameaça escondida".

Pinter saiu brevemente do hospital, onde se encontrava a ser tratado a uma complicada doença de pele, para ser levado de cadeira de rodas para um estúdio e aí ler o seu discurso de aceitação do Nobel.

Revelou aí - ou talvez não - as origens desse perturbante universo "pinteresco".

"A maior parte das minhas peças nasce de uma frase, uma palavra ou uma imagem. [...] Vou dar dois exemplos de duas frases que surgiram a partir do nada na minha cabeça, seguidas por uma imagem, que eu depois segui. As peças são "O Regresso a Casa" e "Há Tanto Tempo", A primeira frase de "O Regresso a Casa" é 'O que é que fizeste com as tesouras?. A primeira frase de "Há Tanto Tempo" é 'Escuro'. Em ambos os casos não tinha mais nenhuma informação".

A partir daí foram surgindo as personagens, num espaço, e ele, o autor, a descobrir as relações que as ligavam e para onde é que elas se preparavam para ir.

Em 2006, numa entrevista a Billington explicava que há sempre um conflito entre a vontade de autonomia das personagens e o poder do dramaturgo.

"Quem é que manda? Não há uma resposta simples. Suponho que, no final, é o autor. Porque, quer a personagem goste ou não, basta-me tirar a caneta e fazer isto [gesto de apagar] e ela perde uma fala. Pode até ser uma das suas falas favoritas. Mas quem tem a caneta sou eu".

Na mesma entrevista, Pinter dizia que aquilo que sentia mais vontade de fazer nesse momento era escrever poesia (que escrevia desde sempre). "Escrevi o raio de 29 peças. Não é suficiente?".

A primeira dessas 29 peças, "O Quarto", é de 1957 e foi escrita em quatro dias, numa época em que Pinter era ainda um jovem actor de teatro, sob o nome de David Baron (fez, como actor, mais de 100 papéis).

Nascido em 1930, em Hackney, nos subúrbios de Londres, Harold Pinter era filho único de Frances e Jack Pinter, que trabalhava como "alfaiate de senhoras". Os avós eram judeus da Europa de Leste, mas, ao mesmo tempo, existia na família a ideia (nunca confirmada) de que teriam sangue português - o que levou Harold a assinar como Pinta um dos seus primeiros poemas.

A partir do final da década de 50 escreveu uma série de peças que hoje são consideradas algumas das suas obras-primas, entre as quais "Feliz Aniversário" (1957), que na altura foi arrasada pela crítica e que só se manteve em cartaz durante uma semana.

A reacção dos críticos não deteve Pinter, que continuou a produzir em grande ritmo: "O Encarregado" (1959), "O Regresso a Casa" (1964), "Há Tanto Tempo" (1970) "Terra de Ninguém" (1974), "Traições" (1978), entre muitas outras.

Insultos a Bush e Blair

O final da década de 70, início da de 80 marcou um período de viragem na vida pessoal de Pinter, com o divórcio da sua primeira mulher, a actriz Vivien Merchant (de quem teve um filho, David, que cortou relações com o pai depois do atribulada separação), e o segundo casamento com a escritora Antonia Fraser, com quem permaneceria até ao final da vida.

Com Antonia, a intervenção política de Pinter aumentou. Não era, contudo, uma faceta nova na sua vida. Logo em 1948 declarara-se objector de consciência, recusando fazer o serviço militar, e assegurando a sua própria defesa em tribunal (conseguiu pagar apenas uma multa).

Nos últimos anos, nunca se coibiu de manifestar a sua feroz oposição à guerra no Iraque (escreveu o livro de poesia Guerra), e de criticar os líderes mundiais - chamou "idiota iludido" ao antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair, e "assassino em massa" ao Presidente norte-americano George W. Bush. E usou a maior parte do seu discurso do Nobel para criticar a política externa norte-americana.

Como escritor, disse nesse discurso, acreditava que uma coisa pode ser ao mesmo tempo verdadeira ou falsa. "Como cidadão tenho que perguntar: o que é verdadeiro? O que é falso?".

Na sua juventude, em Hackney, Pinter tinha um grupo de amigos, aos quais permaneceu ligado toda a vida. Um deles, Henry Woolf, que foi um dos seus maiores colaboradores, falou em 2007 no Guardian desse final dos anos 40 em que tinham 17, 18 anos.

O mundo parecia, então, um lugar assustador e eles passeavam pelas ruas, conversando horas a fio, e ouvindo Pinter falar-lhes de Samuel Beckett, Henry Miller, Buñuel, Dali, Cocteau.

"Viviamos nas nossas cabeças, o único sítio seguro para um judeu", conta Woolf. "E penso muitas vezes que as personagens de Pinter vivem em quartos que são projecções de um mundo privado, cerebral".
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