Em digressão pela Europa,
fora do governo mas atento
aos acontecimentos, o músico
actua amanhã à noite em Faro
27.07.2009
Gilberto Gil garante-nos que a voz que escutamos do outro lado da linha não é a de um músico ensonado pela exigência da vida malvada.
É antes a de quem procura desdobrar 24 horas em coisa de maior rendimento. Há um ano deixou o cargo de ministro da Cultura do Brasil.
Gravou um álbum novo ("Banda Larga Cordel") e fugiu para a Europa, em digressão através "da cultura e da história". Mas nos entretantos quer ser tudo ao mesmo tempo: "Músico, leitor, curioso e um quase-político, sempre atento."
Conclusão: "o tempo foge", enquanto tudo isto se faz numa viagem de curtas paragens e que amanhã chega a Portugal (concerto no estádio de S. Luís, em Faro, com Martinho da Vila; início às 21:30, bilhetes entre os €10 e os €25).
Vimo-lo com Lula da Silva, empenhado e a procurar empenhar outros num trabalho de promoção da cultura brasileira; em manifestos e activismos constantes entre concertos e o fato e gravata.
Mas acabámos por testemunhar o seu adeus às tarefas de gabinete. "Não é fácil ser-se ministro: há muita pressão, muita burocracia, e todas as nossas paixões parecem ficar de parte, como coisa secundária."
Assim sendo, que se arrumem papéis e afins, para uma redescoberta de velhos prazeres. E com toda a honestidade: "Tirei um peso de cima de mim, não tenho vergonha de o dizer."
Esse Brasil brasileiro Prioridade aos prazeres hedonistas, então. Mas com um sentido de responsabilidade que lhe ficou como companhia perene.
A cultura brasileira é coisa "rica, em abundância e em sedução" mas ainda que a tenhamos como omnipresente, nem tudo está bem.
"A obra artística do Brasil deixa-se conhecer com facilidade mas inúmeros problemas permanecem sem solução, sobretudo no que ao acesso a esta cultura diz respeito."
Habituado a ser esclarecedor no seu diálogo, Gilberto Gil fala do Brasil com um gosto pouco habitual numa conversa telefónica - deixa escapar frases como "esse país imenso" ou rimas com "feijão e arroz" pelo meio.
"Os brasileiros" que povoam as explicações de Gilberto Gil são os mesmos que, nas suas palavras, cumprem por estes dias - desde há muito - uma diáspora que não terá fim à vista.
Do lado de cá já sabíamos de tudo isto, mas ouvimo-lo novamente, desta vez na voz de quem o sabe como poucos. Seguem-se as justificações, sobre um Brasil que é "um país difícil, a vida por lá tem mais obstáculos do que deste lado".
A velha história escrita por ricos e pobres, portanto, que há décadas povoa as canções deste vosso brasileiro em permanente êxodo - "É, é mais fácil entender esse mundo quando também já foi o nosso."
Em viagem Gil é o baiano que descobriu o mundo do rock-n-roll e do psicadelismo nos idos de 1960; que fugiu para terras britânicas quando a ditadura militar não quis compreender a vontade de mudança artística do tropicalismo; que voltou a sobrevoar o Atlântico para se transformar em advogado pelas boas causas (expressão comum nas biografias do músico); e que desde então carrega guitarras como obras de boa vontade e transformação de mentalidades.
Somos forçados a perceber que Gilberto Gil sabe do que fala quando diz que já esteve "no meio deles". "O brasileiro sai do seu país porque a terra onde nasceu nem sempre lhe dá o que ele precisa.
É uma questão básica mas que, ao mesmo tempo, se vai complicando era após era."
Resta-lhe cantar o assunto, que é "o mesmo de sempre" mas que "vai assumindo as mesmas transformações que a sociedade assimila".
Traduzindo: o brasileiro que hoje canta pelo mundo também é globalizado, tecnológico, de uma geração 2.0. O mais recente álbum de Gilberto Gil, "Banda Larga Cordel" (editado no ano passado), tem versos sobre iPods e internet, "os filhos da nova geração e as suas exigências".
Pode parecer que a realidade seja complicada de mais mas é material genuíno para depois "transformar tudo em pautas" em qualquer ocasião. No momento em que nos fala, Gilberto Gil fala de momentos de pausa entre quartos de hotel, inspiração - ou a eterna falta da mesma - que se passeava entre Berlim e Viena e que, diz-nos, "certamente passa também por terras portuguesas".
"Panis et Circensis"
Regressando ao Brasil, Gilberto Gil confirma as suspeitas: "A criação musical está como sempre esteve, rica, próspera e assumindo contaminações de toda a parte."
Porque o cidadão do Brasil "é uma pessoa aberta, sempre assim foi, a história se encarregou de tomar essa decisão". Exemplo maior? O último acordo ortográfico, que, diz Gil, "tem sido recebido como muita calma, com a naturalidade que a situação impõe. Para mim não é novidade e sei que é tudo uma questão de adaptação."
Todo este sentido de responsabilidade artística com alicerces bem seguros numa herança que, arriscamos, se afirma duradoura, quer ser, na música de Gilberto Gil, uma "coisa com futuro".
O tropicalismo, que em 1969 se revelou com o álbum "Tropicalia ou Panis et Circenses" "não é mais o mesmo". Mas está transfigurado na necessidade que "os músicos brasileiros encontram de dialogar com vários mundos ao mesmo tempo".
No ano em que Os Mutantes regressam aos discos - outro dos nomes fundamentais da revolução musical brasileira de 60 - Gilberto Gil diz que "tudo o que foi o passado da música brasileira teima em nunca ser realmente esquecido".
Resta-lhe cantar o assunto, que é "o mesmo de sempre" mas que "vai assumindo as mesmas transformações que a sociedade assimila".
Traduzindo: o brasileiro que hoje canta pelo mundo também é globalizado, tecnológico, de uma geração 2.0. O mais recente álbum de Gilberto Gil, "Banda Larga Cordel" (editado no ano passado), tem versos sobre iPods e internet, "os filhos da nova geração e as suas exigências".
Pode parecer que a realidade seja complicada de mais mas é material genuíno para depois "transformar tudo em pautas" em qualquer ocasião. No momento em que nos fala, Gilberto Gil fala de momentos de pausa entre quartos de hotel, inspiração - ou a eterna falta da mesma - que se passeava entre Berlim e Viena e que, diz-nos, "certamente passa também por terras portuguesas".
"Panis et Circensis"
Regressando ao Brasil, Gilberto Gil confirma as suspeitas: "A criação musical está como sempre esteve, rica, próspera e assumindo contaminações de toda a parte."
Porque o cidadão do Brasil "é uma pessoa aberta, sempre assim foi, a história se encarregou de tomar essa decisão". Exemplo maior? O último acordo ortográfico, que, diz Gil, "tem sido recebido como muita calma, com a naturalidade que a situação impõe. Para mim não é novidade e sei que é tudo uma questão de adaptação."
Todo este sentido de responsabilidade artística com alicerces bem seguros numa herança que, arriscamos, se afirma duradoura, quer ser, na música de Gilberto Gil, uma "coisa com futuro".
O tropicalismo, que em 1969 se revelou com o álbum "Tropicalia ou Panis et Circenses" "não é mais o mesmo". Mas está transfigurado na necessidade que "os músicos brasileiros encontram de dialogar com vários mundos ao mesmo tempo".
No ano em que Os Mutantes regressam aos discos - outro dos nomes fundamentais da revolução musical brasileira de 60 - Gilberto Gil diz que "tudo o que foi o passado da música brasileira teima em nunca ser realmente esquecido".