Facebook e a cultura da banalidade..



por Edson Athayde
Publicitário, escritor e facebooker
20.3. 2010


"Joana comeu uma madalena." A frase apareceu no meu wall do Facebook e fez-me meditar sobre coisas que não queques, bolas de berlim ou pastéis de Belém.

No começo dos 90, o cientista político Francis Fukuyama provocou acesos debates com a sua tese sobre "o fim da história".

Ele estava a referir-se à vitória do liberalismo sobre o comunismo e blá, blá, blá... Não é minha função aqui maçar as pessoas com isso.

Quero apenas tomar de empréstimo a noção de que a história (como a madalena da Joana) pode ser um bem perecível, para perguntar: que estamos a fazer com o nosso presente? Qual é a real relevância das nossas pueris experiências naquilo a que podemos chamar o fio da história?

Pelo que percebo através do Facebook (e do seu primo direito, o Twitter), estamos a criar uma "cultura da banalidade". Tudo o que acontece no planeta compete directamente com aquilo que fazemos.

E tudo (em igual grau de importância) merece ser documentado, partilhado, comentado, criticado, festejado, seja o simples acto de assoar o nariz, a queda de um governo, o aborrecimento de uma fila de banco, a cura de uma doença rara, a sopa que veio com pouco sal, o último dia de uma guerra, o primeiro cabelo branco.

Concordo que eventos banais até podem ter graça, se contados com graça. Infelizmente, poucos nascem com esse dom. Se um poeta pode dar um novo significado a qualquer palavra, dizer que "fulano pisou o meu pé" num contexto em que fulano ou sicrano ou beltrano realmente tenha magoado um dos meus membros inferiores é do menos poético que há.

Tal acontecimento (se calhar doloroso) poderia continuar a ser ignorado pelo resto da humanidade. A não ser que o fulano, por exemplo, fosse o Hitler e o pé, em vez de meu, fosse do Pelé.

O problema da "cultura da banalidade" é que como todos os factos são colocados no Facebook lado a lado, no mesmo formato, tudo é percebido como o mesmo.

É assustador. É bizarro. A continuar assim, vamos acabar anestesiados, complacentes, indiferentes a qualquer coisa que aconteça longe do perímetro do nosso umbigo.

Comer uma madalena, Joana, pode ter sido algo agradável para si. Mas poupe-me a essa informação. A única madalena importante que alguma vez foi comida faz parte de um grande livro (em todos os sentidos) escrito por um senhor chamado Proust.

Se não sabe quem é, pesquise no Google. Se um dia o ler, aí sim, espero um comentário seu no Facebook a dizer o que achou. E não se preocupe em ser profunda. Um comentário banal serve.

A sua vida dava um filme?

"How to define a moment? I don't know..."

É com essa pergunta sem resposta que começa a micrometragem "Moments", um dos vídeos mais partilhados no Facebook. O conceito que está por detrás desse vídeo é uma excelente explicação do sucesso do próprio Facebook.

O mundo já foi um livro com milhões de capítulos interligados, onde éramos todos habitantes invisíveis das entrelinhas. Com a popularização da TV, só para dar um exemplo, tornamo-nos figurantes sem rosto (exceptuando os famosos e os Big Brothers da vida) numa telenovela eterna.

Como o ser humano gosta de narrativas coesas, sempre fez sentido a percepção de que tudo estava unido por um fio e que a nossa passagem pelo planeta, por mais inócua que fosse, teria um significado maior que seria compreendido no final. Mas só no final.

O problema é que fica difícil, numa sociedade dominada pela velocidade da informação, encontrar os elos que ligam tantas histórias que nos são despejadas a todos os instantes com e sem a nossa autorização.

Não temos tempo para encontrar o herói e o mau da fita. É tudo tão rápido que os papéis estão sempre a mudar de posição. O. J. Simpson, Tiger Woods e o eng. Sócrates que o digam.

Alguns estudiosos afirmam que essa fragmentação dos estímulos informativos criou um chamado "universo da desatenção": um espelho partido em milhões de pedaços, exibindo imagens desconexas e sem sentido.

Esses momentos, através do Facebook, podem ser partilhados, comentados, copiados, reavaliados pelo seu grupo de amigos. Alguns, claro, serão até invejados, criticados, classificados de irrelevantes ou de exposições indevidas da própria privacidade.

Mas ninguém poderá negar que esses momentos passarão a estar vivos para além da sua existência. E que, assim, passo a passo, foto a foto, vídeo a vídeo, twitt a twitt, passamos a ser protagonistas de uma história, da nossa história. Que é a única que, vamos ser sinceros, mal e porcamente, controlamos.

Voltando ao vídeo, se quer sorrir ou verter uma tímida lágrima, vale a pena assistir a "Moments" (no YouTube pesquise: "radiolab moments"). O filme não passa de uma colagem de imagens rápidas e, ensaiadamente, acidentais das vidas de pessoas desimportantes.

Como numa poesia haikai involuntária, cada um terá o direito de ler o significado que quiser do conjunto. Ou como diria o meu Tio Olavo: "A vida é algo que acontece enquanto estamos respirando." Nem mais.

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