Entrevistas literárias da Paris Review



Por Eduardo Pitta

A Paris Review inventou a entrevista literária,
síntese da inteligência e do "glamour".
Dez amostras exemplares

Ao contrário do que o título sugere, The Paris Review é uma revista literária de Nova Iorque, fundada em 1953 por um grupo de amigos (Harold L. Humes, George Plimpton, William Pène du Bois e outros) que convenceu o príncipe Sadruddin Aga Khan a financiar o projecto.

Não cabe aqui fazer a sua história. Dizer apenas que foi nas suas páginas que, entre muitos mais, se estrearam Adrienne Rich, Philip Roth, V. S. Naipaul, Peter Matthiessen, Jeffrey Eugenides e Italo Calvino.

O mesmo se diga das primeiras traduções de Samuel Beckett em língua inglesa. O Círculo George Plimpton, entretanto criado, canaliza as doações que permitem a subsistência da Paris Review, cujo actual editor é Philip Gourevitch.

O melhor da Paris Review acaba coligido em volume. E foi a partir das duas compilações de entrevistas, feitas em 2006 e 2007, que Carlos Vaz Marques seleccionou, traduziu e anotou as dez que compõem esta edição: E. M. Forster, Graham Greene, William Faulkner, Truman Capote, Ernest Hemingway, Lawrence Durrell, Boris Pasternak, Saul Bellow, Jorge Luis Borges e Jack Kerouac.

Tenho pena que Elizabeth Bishop, T. S. Eliot, Dorothy Parker e Vladimir Nabokov não façam parte da selecção, mas não se pode ter tudo. Carlos Vaz Marques escolheu bem, apesar de ter deixado de fora todas as mulheres: Bishop, Parker, Didion, Morrison, Welty, etc.

Também é pena que cada entrevista não venha antecedida de breve nota biobibliográfica. Afinal, quantos leitores portugueses sabem, hoje, quem foi Edward Morgan Forster ou mesmo Boris Pasternak?

Logo a abrir, Carlos Vaz Marques anota: "As entrevistas da Paris Review são o mais extraordinário arquivo do fascínio que uma entrevista literária pode alcançar. Mais do que isso: são a invenção desse fascínio."

Exactamente. Como poucas, estas conversas fazem a síntese da inteligência com o "glamour". A edição portuguesa cobre os 15 anos que vão de 1953 (Forster e Greene) a 1968 (Kerouac). Embora houvesse muito por onde escolher, nenhum autor vivo foi contemplado. É, digamos, uma selecção clássica.

Um dos aspectos mais interessantes da leitura é a percepção da passagem do tempo. Em 1953, ainda Forster, então com 74 anos, falava de "Passagem para a Índia" (1924) como se tivesse acabado de o escrever na véspera, discorrendo sobre as grutas de Marabar com a desenvoltura dos iniciados.

Quinze anos mais tarde, Kerouac não tem telefone em casa. A entrevista (a mais longa do volume) tem de ser marcada com meses de antecedência. É o exacto oposto do estilo "controlado" de Forster.

Verdade que Kerouac tinha apenas 46 anos e era obrigado a aturar Stella. À laia de justificação da torrente confessional, Kerouac cita Goethe e Dostoievski, precursores, diz ele, de Neal Cassady, o amigo imortalizado como Dean Moriarty, personagem central de "Pela Estrada Fora" (1957). Sucede que o manuscrito da "Carta de Joan Anderson" foi literalmente pela borda fora.

Aspecto desconcertante é verificar como Kerouac já estava "datado" em 1968: "Allen [Ginsberg] já tinha escrito no jornal que eu não estava a dormir lá porque andava a tentar comê-lo, mas era ele que me andava a tentar comer a mim. Mas naquela altura, de facto, estávamos só a dormir. Depois disso ele arranjou uma almofada..."

Nos antípodas dos estilos "bloomsberrie" (Forster) ou "beat" (Kerouac), Truman Capote faz prova de precocidade: aos 10 anos concorreu a um concurso de escrita infantil com uma espécie de "roman à clef" que apresentava como ficção um escândalo local. A tramóia foi descoberta, o prémio foi à vida. Nessa altura percebeu que queria ser escritor. Em adulto, tirou desforra.

Não é por acaso que destaco Forster, Kerouac e Capote. Dos três, Capote consegue ser o mais transgressor e, do mesmo passo, o mais didáctico. Forster e Kerouac estão ambos, cada um à sua maneira, ocupados com o próprio umbigo. Capote disfarça muito bem. Disfarça tão bem que parece ser ele (e não Forster) o autor de "Aspects of the Novel" (1927).

Ouvi-lo discretear sobre "as rédeas estilísticas e emocionais" do texto, a técnica do conto, as primícias literárias, influências e desaires, releva do puro virtuosismo. Clichés óbvios? Seja. Repetir as vezes todas que forem precisas:

"Encontrar a forma certa para a nossa história é pura e simplesmente descobrir qual o modo mais natural de a contar. [...] A escrita tem as suas próprias leis da perspectiva, de luz e de sombra, tal como a pintura ou a música."

Estas Entrevistas da Paris Review pertencem à categoria de livros que lemos uma e outra vez, descobrindo sempre coisas novas a cada leitura.
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