Una sirena varada de cabellos grises

El vertido de BP se convierte en portada de Vogue con un reportaje inspirado en la melena canosa de la modelo Kristen McMenamy

El País, Madrid
11.08.2010

Una modelo inerte, en un paraje apocalíptico y una larguísima melena gris, sucia, a tono con el paisaje, cubriéndole medio cuerpo.

Esa es la portada de agosto de Vogue Italia.
La modelo es Kristen McMenamy, fotografiada por Steven Meisel como una sirena recién emergida de la mancha de petróleo que cubre el Golfo de México, posa con su pelo natural, canoso.

En la moda quedan pocos tabús.
No es la primera vez que Meisel retrata a la modelo, de 45 años.
En julio de 2009 su impactante cabellera abrió también la edición italiana de Vogue para reivindicar un nuevo paradigma de belleza: la naturalidad, al estilo del reportaje publicado en Harper's Bazaar con las top de los noventa posando sin maquillaje – McMenamy incluida -, algo que también hizo Elle con sucesivas portadas en las que
aparecían Monica Bellucci, Eva Herzigova o Sophie Marceau sin retoques y sin colorete retratadas por Peter Lindbergh.

Esa melena de color plata, fruto de seis años cuidados para dejarla crecer sin tintarla, ha sido una de las inspiraciones del fotógrafo, que ha conseguido llevar a la portada de la biblia de la moda un tema que lleva meses abriendo los periódicos de medio mundo.
20 things you never knew about Jimi Hendrix

Jimi Hendrix is on the cover of NME magazine this week to mark 40 years since his death.
Keep clicking for 20 things you never knew about the guitarist, including the fact that his manager Mike Jeffrey once arranged for him to be kidnapped by the mafia.
Yoko Ono oversees the remasterin of the star's back catalogue

John Lennon's solo albums have been remastered to mark the late singer's 70th birthday.

Yoko Ono and a team of engineers led by Allan Rouse at London's Abbey Road Studios and by George Marino at New York's Avatar Studios have helped re-work all eight of his albums and several newly-compiled titles.

"In this very special year, which would have seen my husband and life partner John reach the age of 70, I hope that this remastering/reissue programme will help bring his incredible music to a whole new audience," Ono said.

"By remastering 121 tracks spanning his solo career, I hope also that those who are already familiar with John's work will find renewed inspiration from his incredible gifts as a songwriter, musician and vocalist and from his power as a commentator on the human condition. His lyrics are as relevant today as they were when they were first written."

All of the remastered albums and collections will be available on CD and for download around the time of Lennon's birthday on October 9. For more information go to JohnLennon.com.

Get this month's issue of our sister title Uncut for a cover story on John Lennon's solo years. The issue hits UK newsstands tomorrow (July 1), see Uncut.co.uk for details www.nme.com/



John Lennon tendrá su propia cápsula del tiempo

En ella se guardarón sus grabaciones hasta 2040

El próximo mes de diciembre hará 30 años de la trágica muerte de John Lennon.

Además, este año cumpliría 70 años y para muchos aún sigue vivo a través de su música. Por ello, y para que la memoria de este artista siga viva durante muchas décadas, John Lennon tendrá su propia cápsula del tiempo, en la que se pretenden guardar todas sus grabaciones de su carrera posterior a los Beatles.

El legado de John Lennon, uno de los componentes del cuarto de Liverpool «The Beatles» seguirá vivo hasta el año 2040.

Con motivo de la fecha en la que el músico celebraría su 70 cumpleaños, se ha creado el proyecto «The John Lennon Time Capsule» («La cápsula del tiempo de John Lennon»).

En ella tienen pensando guardar las grabaciones del músico durante su carrera musical posterior a su etapa como «Beatle», con el fin de que perduren durante varias décadas, concretamente hasta el 9 de octubre de 2040, fecha en la que Lennon cumpliría 100 años.

Además, tal y como ha publicado la web estadounidense «NME», los fans podrán enviar felicitaciones, cartas y demás recordatorios con el fin de que sean guardados junto a las grabaciones en la cápsula.

Una que se ha mostrado encantada con la idea es Yoko Ono.
La viuda del artista ha confesado que está «encantada de apoyar este proyecto para poder compartir la música y los mensajes de paz y amor con los niños de hoy y del mañana».

«Sé que el trabajo de John, así como su vida y sus sueños, ayudarán a inspirarles para crear un mundo mejor para todos», añade Yoko.

La ceremonia se llevará a cabo el próximo 8 de octubre en el Museo de la Fama del Rock&Roll (foto) en Ohio, Estados Unidos, donde permanecerá la cápsula.
ABC

O Evangelho do Enforcado



O Evangelho do Enforcado é o mais recente romance de David Soares, onde história, fantasia e horror se entrelaçam numa forma harmoniosa e poética.

O autor aliou um estudo intenso com a sua imaginação prodigiosa para revelar as circunstâncias da criação dos misteriosos Painéis de S. Vicente. Para tal, David Soares apresenta a sociedade portuguesa do século XV de forma minuciosa, fugindo às ideias preconcebidas da elegância medieval, não temendo, de forma alguma chocar através dos factos reais da época, e levando o leitor a crer que a ficção é real.

O leitor é levado numa viagem onde conhece Nuno Gonçalves, que nasceu com o dom da pintura... e com espinhos de ouriço-cacheiro. Esta é uma personagem realmente cativante, diferente desde o primeiro momento. Nuno não revela ser possuidor de grande emotividade, até ao momento em que descobre o prazer do cheiro dos mortos e a beleza da pintura.

O leitor contempla evolução de Nuno Gonçalves ao longo da narrativa - artista, necrófilo, psicopata e assassino -, ao mesmo tempo que observa o jogo de poder da ínclita geração.

David Soares é um nome de grande peso na literatura fantástica portuguesa. Com uma escrita trabalhada, poética e envolvente, transporta o leitor para uma narrativa onde nada é deixado ao acaso.

As descrições são precisas e credíveis, os diálogos são adequados e acarretam sabedoria, todos os pormenores existem por alguma razão, as coincidências não existem. Agradou-me o facto de as personagens não serem, de forma alguma, escolhidas ao acaso. É possível verificar que a grande maioria dos intervenientes da narrativa estão ligados a diferentes domínios da história portuguesa, por mais curta que seja a sua aparição.

Esta obra fomenta a reflexão sobre o verdadeiro significado e valor da arte, da morte, da vida, chegando a provocar o choque com descrições cruas e reais. A personagem Geronte, um ser sobrenatural, marca, neste aspecto, uma posição crucial, uma vez que representa a condição da vida que remete unicamente à morte, sendo esta apenas vencida pela arte, que, com voz própria, persiste no todo.

"A criação - a arte - é o único antídoto contra a morte."
Tudo é pensado de uma forma muito inteligente e requintada, até ao mais ínfimo pormenor, de forma a encaminhar o leitor para um final que faz desejar por mais. Os pormenores dos painéis e o auto-retrato servem de complemento ao texto e a sua integração na obra foi uma boa escolha.

Gostei muito das notas finais de David Soares, uma vez que arrematam a obra sem deixar espaço para dúvidas acerca das razões do autor, as influências e a explicação de pormenores bem interessantes, como o caso da peste negra ou da criação do Tarot.

Gostaria apenas de referir, que teria sido mais agradável se o autor tivesse optado por efectuar as traduções das frases em latim, uma vez que tive que parar a leitura por diversas vezes para procurar o seu significado (nem sempre foi sucedida).

Foi interessante observar o latim nos diálogos, numa forma de aproximação à época, mas teria sido bom se a sua tradução estivesse como nota de rodapé, para que o leitor não perca nenhum conteúdo.

David Soares prova, mais uma vez, que a sua imaginação não tem limites e que é um escritor de grande qualidade, o que faz com que esta crítica pouco consiga descrever o prazer que tive ao ler “O Evangelho do Enforcado”. Aconselho, sem a menor sombra de dúvida. (Blogue Bela Lugosi is Dead)
http://saidadeemergencia.com

Revista Bang






De periodicidade trimestral, a Bang! procura trazer ao leitor os autores incontornáveis da literatura fantástica mundial, apresenta os autores portugueses consagrados e dá oportunidade às novas vozes.

Para conhecer os vários números visite o catálogo, e para deixar feedback dê um salto ao fórum da revista.

Aceita-se colaboração de ficção curta. Os escolhidos para publicação podem não ser remunerados mas alcançarão certamente a imortalidade!
http://saidadeemergencia.com/

Raio x da Editora Cosac Naify




A história da Cosac Naify começou em junho de 97, quando as livrarias brasileiras receberam o volume "Barroco de Lírios" , de Tunga.
Com mais de dez tipos de papéis e 200 ilustrações, o livro criado por um dos principais artistas contemporâneos do mundo tinha recursos como a fotografia de uma trança que, desdobrada, chegava a um metro de comprimento.

Por maior que seja a imaginação de Tunga ou a dos fundadores da editora, Charles Cosac e Michael Naify, ninguém poderia supor naquele momento quantas histórias subiriam por aquela trança.

Primeiro, vieram as artes plásticas, área na qual a editora se estabeleceu como referência, tendo publicado mais de cem títulos sobre o assunto. São mais de 50 monografias sobre artistas brasileiros, clássicos da crítica de arte nunca antes traduzidos para o português, como "Outros critérios", de Leo Steinberg, obras de referência, como os três volumes de "História da arte italiana", de Giulio Carlo Argan, e "Piero de la Francesca", de Roberto Longhi, com posfácio de Carlo Ginzburg.

Parcerias de cá e lá
Ainda no campo das artes, a Cosac Naify se tornou a primeira editora latino-americana a coeditar um título com o MoMA, de Nova York, o volume "Tangled Alphabets: León Ferrari and Mira Schendel". E realizou parcerias de grande sucesso com museus como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, a Fundação Iberê Camargo, de Porto Alegre, a Bienal de São Paulo, o Centro Universitário Maria Antonia (SP), a FAAP-SP, o Museu de Arte Contemporânea de Chicago (EUA) e a Maison Européenne de la Photo, de Paris, entre outros.

Também foi com ajuda de parceiros importantes que a editora abriu seu caminho em outros territórios artísticos, como a Mostra de Cinema de São Paulo e a Cinemateca Brasileira, nos livros de cinema, o Grupo Corpo, na dança, a São Paulo Fashion Week, na moda, e o SESC-SP, com quem desenvolve projetos em fotografia, cinema e a coleção multidisciplinar Ópera Urbana.

Esse conjunto de livros, feitos para adultos, jovens e crianças, entre a ficção e ilustração, é um dos destaques da área que é menina dos olhos na editora: os livros infantis.

Para todos os leitores
Os títulos “para crianças” não são realizados para uma faixa etária restrita, e englobam desde obras que representam marcos na história da literatura infantil, como os revolucionários "O livro inclinado" (1909), de Peter Newell, e "Na noite escura" (1958), de Bruno Munari, até livros feitos por jovens criadores brasileiros, como "Lampião & Lancelote", de Fernando Vilela, um dos livros brasileiros mais premiados de todos os tempos, inclusive pela Meca dos infantis, a Feira de Bologna, que em 2010 premiou "Tchibum!".

Prêmios
Os infantis da Cosac Naify já colheram aos montes. São mais de 50, entre eles o Jabuti de Melhor Livro do Ano (concorrendo com os adultos), "Façanha de Bichos que existem & bichos que não existem", de Arthur Nestrovski, e o prêmio da Bienal de Bratislava, conquistado por Ângela-Lago, com "João-Felizardo, o rei dos negócios".

Tal como Lago, o catálogo infantil tem obras muito especiais de grandes nomes da ficção nacional, como Ana Maria Machado, Decio Pignatari e, por que não, Mario de Andrade e Lima Barreto (ilustrados pelo jovem mestre Odilon Moraes), Machado de Assis (na leitura delicada de Nelson Cruz), e ainda os gigantes estrangeiros Goethe, Gogol, Tchekhov, Pablo Neruda e William Faulkner.

Não fosse o bastante, nessa estante há lugar para alguns dos maiores artistas gráficos do século XX, caso de Shel Silverstein (diversos títulos, como "Fuja do Garabuja" e "A árvore generosa"), Sempé ("Marcelino Pedregulho"), Millôr Fernandes ("Maurício, o leão de menino") e Paul Rand ("Pequeno 1").

Em 2008, seguindo o espírito tão caro à editora de oferecer aos leitores obras de referência nas mais variadas áreas, a Cosac Naify também inaugurou uma linha de livros teóricos sobre ficção infantil. A primazia coube à obra de Alan Powers “Era uma vez uma capa”, uma história ilustrada da literatura universal para crianças.

Edições definitivas
Contar histórias, por sinal, tem sido uma atividade cada vez mais frequente na editora. A mais recente delas justifica até o uso do surrado termo “a bíblia do...”. "História do design gráfico", de Philip B. Meggs, é unanimemente considerada pelos estudiosos da área a “bíblia do design”.

Com 1300 imagens coloridas, divididas em 720 páginas, todas redesenhadas pela editora, o livro narra todo o desenvolvimento das artes gráficas, desde as pinturas rupestres de 1500 a.C até o design internético. O livro consolida a forte presença da editora nesse segmento.

Em outra área vizinha, a arquitetura, a Cosac Naify também fez-se referência. Além de trazer ao português parte importante do repertório mais celebrado do gênero, com livros como “Aprendendo com Las Vegas”, de Robert Venturi, Denise Scott Brown e Steven Izenour, e “Precisões”, de Le Corbusier, a editora vem publicando autores-chave da arquitetura contemporânea, como Rem Koolhaas e Rafael Moneo, e está desenvolvendo uma linha em torno da arquitetura brasileira sem par no mercado.

Além de ter publicado três livros do vencedor do Prêmio Pritzker de 2006, Paulo Mendes da Rocha, o catálogo tem obras de e sobre todos os criadores mais importantes da arquitetura brasileira: de Oscar Niemeyer a Vilanova Artigas, de Lucio Costa a Joaquim Guedes, de Vital Brazil a Lina Bo Bardi.

Monstros sagrados
Os grandes artífices da cultura brasileira são, por sinal, um dos eixos em torno dos quais se organiza a produção editorial da Cosac Naify.

“Temos o orgulho de sermos, por exemplo, os editores das obras de Paulo Emílio Sales Gomes, Glauber Rocha e Manuel Bandeira. E publicamos alguns dos mais importantes ensaístas recentes, de Bento Prado Jr. a Fernando Novais, de Davi Arrigucci Jr. a Ismail Xavier, de Eduardo Viveiros de Castro a Ferreira Gullar”, revela texto no blog.

E não é tudo. Se pela trança de Tunga já subiram 750 títulos, mais de 150 deles são do escaninho da ficção. Pela coleção "Prosa do Mundo", a melhor série de clássicos do mercado, já chegaram às livrarias grandes obras de senhores com sobrenomes como Tolstoi, Beckett, Brecht, Poe, Flaubert, Pirandello, e outras de escritores menos conhecidos, mas não menores, como o dinamarquês Jens Peter Jacobsen e o húngaro Gyula Krúdy.

“Mulheres Modernistas” é o nome da coleção que reúne escritoras do calibre de Virginia Woolf, Karen Blixen, Flannery O’Connor, Katherine Mansfield, Marguerite Duras e Gertrude Stein.

O blog continua: “Sem medo de grandes desafios, publicamos ainda "Os Miseráveis" (1280 páginas), "Anna Kariênina" (816 páginas) e "Moby Dick" (656 páginas). E trouxemos ao país obras de mestres mais recentes, como o americano William Faulkner, o argentino Adolfo Bioy Casares e o brasileiro João Antônio. Do pretérito futuro, o dos grandes ficcionistas em atividade, também trouxemos às prateleiras boas amostras: o espanhol Enrique Vila-Matas , o argentino Alan Pauls, o alemão Ingo Schulze, o mexicano Mario Bellatin, o francês J. M. G. Le Clézio (Prêmio Nobel de 2008), entre outros.

“E é assim, com esse catálogo tão heterodoxo e tão único, que reúne sob o mesmo logotipo Petrônio e Capitão Cueca, Claude Lévi-Strauss e Woody Allen, Joaquim Nabuco e Chacal, que a Cosac Naify continua levando adiante seu desafio: em muitas áreas fazer sempre o melhor, ou ao menos o diferente..” finaliza o texto explicativo do blog.
http://editora.cosacnaify.com.br

Teatro - Companhia do Latão


De matriz brechtiana, grupo reata com prática dos anos 60

por Silvia Fernandes
11. 08. 2008

A publicação de sete peças da Companhia do Latão permite ao leitor conhecer uma das experiências mais radicais de dramaturgia brasileira empreendidas nas últimas décadas.

Resultantes do processo colaborativo de criação que define a escritura do teatro de grupo dos anos 90, os textos reunidos no volume foram criados ou adaptados em sala de ensaio a partir das improvisações dos atores e funcionam como modelo das formas mais recentes de produção de uma dramaturgia cênica coletivizada.

A Companhia São Jorge de Variedades, o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, o Teatro da Vertigem e o Grupo XIX de Teatro são outros exemplos dessa prática teatral que revolucionou a cena paulista nos últimos anos.

Mas, sem dúvida, o diferencial do trabalho da companhia é a opção pela pesquisa do teatro épico-dialético, de matriz brechtiana, em que a crítica política das formas de representação é o meio de viabilizar o desmonte dos modos de operação do capitalismo periférico.

Talvez por isso a temática das peças seja recorrente, ainda que o objeto varie, como observa a ensaísta Iná Camargo Costa no prefácio esclarecedor.

Nesse sentido, a criação de "Visões Siamesas" e "Equívocos Colecionados", em 2004, dá continuidade às reflexões de "O Mercado do Gozo" (2003), "O Auto dos Bons Tratos" (2002) e "A Comédia do Trabalho" (2000), textos prenunciados, de certa forma, pela primeira dramaturgia coletiva do Latão, "O Nome do Sujeito" (1998), estreada dois anos depois da criação do grupo, em 1996, com "Ensaio para Danton", que adaptava o texto de Georg Büchner.

Retomada
Na tematização do movimento operário, do universo da prostituição, da mercantilização das relações, da escravização da mão-de-obra ou da ascensão do capitalismo financeiro, os textos apresentam os destinos individuais imbricados às forças coletivas, e o jogo de transição entre o íntimo e o público exige dos dramaturgos-diretores, Sérgio de Carvalho e Márcio Marciano, um desenho quase coreográfico de apartes, interrupções e alterações de chave estilística.

Ao reatar conexões com a prática teatral dos anos 60, especialmente do Teatro de Arena e do CPC, o Latão reconhece o esgotamento do modelo nacional-popular diante das novas relações de trabalho e da penetração da indústria cultural.

E, visando a retomada crítica, é responsável por uma reviravolta nas propostas do teatro político de perfil mais tradicional, em que a "mensagem" revolucionária é a prioridade.

Apóia-se especialmente nas reflexões de Walter Benjamin e Theodor Adorno, na teoria do drama moderno de Peter Szondi, nos ensaios iluminados de Anatol Rosenfeld e nas críticas de Fredric Jameson ao pós-modernismo para esclarecer os mecanismos nem sempre ocultos de determinação das relações sociais em circunstâncias históricas específicas.

Regras do Jogo
É visível, na sucessão dos textos, a paulatina radicalização da simbiose entre a pesquisa formal e a reflexão histórica, especialmente quando as articulações do processo social sedimentam-se na estrutura dramatúrgica e expõem, em suas soluções, aquilo que a temática procura explicitar.

No sentido próprio do estranhamento brechtiano, é espantoso constatar, desde "O Nome do Sujeito", a inteligência de mecanismos de construção certeiros como o da invisibilidade proposital do aristocrata que espolia e assassina os subalternos, mas permanece como personagem ausente de uma narrativa protagonizada por escravos, artistas, clérigos e comerciantes da cidade de Recife no 2º Império.

As "diversas modalidades de comércio entre os homens" reaparecem em "Mercado do Gozo", que mobiliza três planos ficcionais para criticar as manipulações da imagem na sociedade do espetáculo.

A greve geral que paralisou a indústria paulista em 1917, o mundo urbano da prostituição e o filme que associa fábrica e bordel à mesma cadeia produtiva contracenam num jogo cinematográfico de corte e repetição, que expõe os pontos de vista da companhia.

Essa exposição das regras do jogo aparece, com clareza, em todos os textos, especialmente nas cenas que se contradizem internamente, ao contrapor procedimentos de literatura e palco, palavra e imagem, e não é casual que registrem rubricas com indicações cênicas detalhadas.

Também não é gratuita a construção fragmentada de "Equívocos Colecionados", inspirado em entrevistas e escritos teóricos do dramaturgo Heiner Müller.

Nem a opção pelo tema da migração em "Visões Siamesas", que traduz no deslocamento geográfico as mudanças históricas do país e aproxima a companhia da melhor dramaturgia brasileira contemporânea de Luís Alberto de Abreu, Gero Camilo e Newton Moreno.
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Carlos Drummond de Andrade reeditado



Reedição de "Alguma Poesia" revela obra inacabada e marcante

por Carolina Oms
11.6. 2010

"Como você sabe, eu tenho um livro de versos como todo brasileiro digno e de óculos." Drummond em carta a Mário de Andrade

Há 80 anos Carlos Drummond de Andrade publicava "Alguma Poesia".

Era o primeiro livro do poeta e foi pago por ele próprio, em várias prestações.

A estreia de Drummond trazia poemas que se sobressaíram na época e que estão formalmente associados à figura do poeta até hoje, como "Poema de Sete Faces" (Mundo mundo vasto mundo,/se eu me chamasse Raymundo/seria uma rima, não seria uma solução), "No Meio do Caminho" e "Quadrilha" (João amava Teresa que amava Raimundo).

Para comemorar a data, o Instituto Moreira Salles lançou "Alguma Poesia: O Livro em Seu Tempo", edição especial organizada pelo poeta Eucanaã Ferraz que traz um fac-símile do volume que pertenceu ao próprio Drummond, com anotações manuscritas de mudanças que o poeta incorporaria nas edições seguintes.

A publicação também reúne cartas de amigos e críticos comentando o livro e uma rica amostra das resenhas e artigos publicados pelos jornais em 1930 e 1931.

A obra também mudou a vida do João Cabral de Melo Neto, conta Eucanaã, ele considerava poesia "uma coisa de moças". Na avaliação do organizador, a força do livro fica nítida na importância e na marca única que ele deixou em uma obra tão vasta como a de Drummond.

A reprodução do fac-símile foi uma sugestão do seu neto, Pedro Drummond. Sobre o antigo livro, já bem amarelado, as anotações de Drummond, que, para Eucanaã, "dão a noção de que uma obra de arte pode não estar pronta quando aparece a primeira vez e de que poesia é uma coisa muito trabalhosa".

Como nos trechos de "Cidadezinha qualquer", onde Drummond posteriormente trocou cachorro por homem:


"Um cachorro vai devagar, Um cachorro vai devagar, Um burro vai devagar." E no famoso “Quadrilha”, onde o J. Pinto Fernandes realmente não tinha entrado na história, na primeira edição, ele se chamava Bredorodes:


João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com Brederodes que não tinha entrado na história.
http://terramagazine.terra.com/

Moholy-Nagy ganha mostra na PhotoEspaña



11.6. 2010
O artista foi pioneiro no tratamento do gênero fotográfico como meio para "aguçar os sentidos e a percepção humana", diz a historiadora e crítica espanhola Oliva María Rubio.

É ela a curadora da mostra antológica de László Moholy-Nagy em cartaz até 29 de agosto no Círculo de Belas Artes de Madri como parte da programação do PhotoEspaña 2010, festival dedicado à fotografia.

Grande destaque desta 13.ª edição do evento espanhol, a exposição, de caráter histórico e monográfico, não se encerra nas experiências fotográficas do artista apresentando, ainda, oito filmes, pinturas, fotomontagens e projetos de design criados pelo vanguardista desde 1922 (ano do embrião dos pensamentos de seu emblemático ensaio Pintura Fotografia Cinema, sobre a "estética da luz") até sua morte.
A mostra reúne mais de 200 obras que pertencem a vários acervos (o que a torna ainda mais rara).

Vida e Obra

László Moholy-Nagy
(Bácsborsód, 20 de Julho de 1895 — Chicago, 24 de Novembro de 1946)

László Moholy-Nagy foi designer, fotógrafo, pintor e professor de design pioneiro, conhecido por ter lecionado na Bauhaus. Foi influenciado pelo Construtivismo Russo e defendeu a integração da tecnologia e indústria no design e nas artes.

Para László Moholy-Nagy não existiam divisões entre a fotografia, a pintura, a fotografia, a escultura e a arquitetura. A sua visão eclética e global foi fundamental em duas das mais importantes escolas de artes visuais deste século, a Bauhaus e o Chicago Institute of Design.

Nagy aplicava a técnica de colagem de negativos e uso de instrumentos que interferem artisticamente na impressão das fotos.

Nascido na Hungria em 1895, László ingressou no curso de Direito da Universidade de Budapeste aos 18 anos. Mas a I Grande Guerra interrompeu os seus estudos no ano seguinte. Foi mandado para a frente, onde seria gravemente ferido.

Durante sua convalescença, László dedicou-se aos desenhos e às aquarelas. Mais tarde, com a República Soviética Húngara derrotada, o marxista Moholy-Nagy exilou-se em Berlim, onde entrou em contacto com toda a efervescência cultural do momento, do Futurismo ao Dadaísmo, passando pelo Construtivismo de seu amigo El Lissitzky.

László Moholy-Nagy começou o seu percurso artístico por aderir ao Construtivismo. A sua primeira exposição individual foi realizada em 1922 na galeria Der Sturm, em Berlim.
A partir de 1923 e até 1928, Moholy-Nagy ensinou e trabalhou na Bauhaus: foi docente na oficina de metal e diretor do Curso Preliminar (Vorkurs). Começou estas actividades com a idade de 27 anos.

A partir de 1923, e em estreita cooperação com Walter Gropius, Moholy-Nagy concebeu e editou a série de livros chamados bauhausbücher. Deste modo, Moholy-Nagy foi o impulsionador das actividades editoriais e publicistas da Bauhaus.

Casado com a fotógrafa Lucia Moholy, László Moholy-Nagy não demorou a fazer suas primeiras experiências fotográficas. Com uma consistente base teórica, tratou de inovar: na composição, nos pontos de vista, misturando técnicas.
Trabalhando na Bauhaus como diretor da oficina de metal, Moholy-Nagy continuou produzindo fotos, desenhos, esculturas, e ensaios teóricos. Em 1924, publicou Pintura, Fotografia, Filme, dentro da série de livros que ele editava na Bauhaus.

A nova tipografia
Nos seus manifestos, o conceito de uma nova tipografia ocupava um papel central. «Die neue typographie» foi o título programático de um artigo de Moholy-Nagy, publicado em 1923 no bauhausbuch, que articulou ideias essenciais; pouco depois, Jan Tschichold faz ressonância às teses de Moholy-Nagy, ampliando a sua divulgação.

Com o fim da Bauhaus na Alemanha, os docentes optam pelo exílio, fugindo às represálias do Nazismo. A evolução continua nos EUA, país para onde tinha emigrado boa parte dos exilados da Bauhaus.
László Moholy-Nagy mudou-se para Londres em 1935, e - juntamente com Walter Gropius - rápido se estabeleceu no seio da comunidade vanguardista sedeada nos Lawn Road Flats (London, Hampstead).

New Bauhaus
Um grupo de industriais norte-americanos decide fundar em 1937 em Chicago uma escola de Design e chama Moholy-Nagy para dirigi-la. Esta instituição, a New Bauhaus, virá depois a ser designada por School of Design e mais tarde Institute of Design.
Estes contextos foram abordados numa grande exposição: "Albers and Moholy-Nagy: From the Bauhaus to the New World". Londres, 2006, na Tate Modern, Bankside, Londres (Reino Unido)
http://tipografos.net/
http://www.moholy-nagy.org/

Ferreira Gullar explica Augusto dos Anjos

por João Pombo Barile
08/06/2010

Do Rio de Janeiro, por telefone, o poeta Ferreira Gullar conversou com o Magazine. Na entrevista, dentre outros assuntos, falou do novo livro de poesias, de Augusto dos Anjos, de poesia e de política.

Você acaba de ganhar o prêmio Camões. Esperava ser premiado?

Claro que não.

Mesmo com uma obra tão importante?

Escuta, cara: eu não estou dizendo que eu não mereceria... Isso é outra coisa. É porque eu não penso em prêmio. Não é uma coisa que faça parte de minhas preocupações. É evidente que eu fiquei muito contente de ter ganhado. Eu acho que esse prêmio tem uma alta significação. Fiquei muito feliz. Agora, eu não pensava em ganhar porque eu não sou muito otimista quanto a isso, não (risos). Eu já ganhei prêmios importantes, o Machado de Assis da ABL por exemplo. Mas não penso nisso.

Para você é importante ser reconhecido por sua obra?

Claro. Para todo mundo é. Para que eu escrevo? Primeiro, por minha necessidade, para me satisfazer, pelo prazer que eu tenho de escrever. Fazer um poema é uma alegria para mim. Pena que raramente aconteça. Quando acontece é uma alegria.

Além disso você escreve para o outro. Não é que eu fique pensando "como é que eu vou agradar?". Nenhum poeta pensa isso. Mas é legal você saber que, sem ter pensado, o outro se comove com o que você escreveu. O outro reconhece aquilo, o que o tocou e passou a fazer parte de sua vida. Isso que é importante. Então o reconhecimento, quando vem, inclusive da parte de outros escritores que são pessoas renomadas e qualificadas, é importante.

No evento de hoje em Belo Horizonte você vai homenagear Augusto dos Anjos. Ele é um poeta importante para você?

No Terças Poéticas cada um homenageia um poeta. E eu vou homenagear o Augusto dos Anjos. Tenho um estudo que escrevi sobre o Augusto dos Anjos na época que eu estava no exílio (trata-se de "Augusto dos Anjos ou Vida e Morte Nordestina"). No livro, eu procuro mostrar a importância dele. Procuro mostrar nesse ensaio que ele é um dos nossos primeiros poetas modernos. Ele já tem modernidade. Ele não é inteiramente um poeta do modernismo, não é isso, mas a poesia dele já tem uma série de elementos que são modernos.

Quando você escreveu esse livro você estava na Argentina?

É. Eu, na verdade, comecei a escrever o livro no Peru e terminei na Argentina, a pedido até do Darcy Ribeiro. Foi ele que me meteu na cabeça que eu deveria escrever um livro sobre o Augusto dos Anjos.

Como é que foi essa história?

Um dia eu estava na casa do Darcy em Lima e começamos a conversar sobre poesia. E eu disse para ele: "Um dos meus poetas prediletos é o Augusto dos Anjos". E aí o Darcy falou: "Ah, que Augusto dos Anjos que nada. Aquele negócio de ‘Escarra nessa boca que te beija’". E eu falei: "Oh Darcy. Augusto não escreveu só isso... Eu vou te dizer uns poemas que eu sei de cor". E disparei.

Aí ele se entusiasmou: "Cara, eu nunca imaginei que o Augusto fosse um poeta tão bom". Daí a uma semana, o editor Fernando Gasparian chegou a Lima para tratar de negócios. E nós fomos almoçar com ele. No meio do almoço, o Darcy falou: "Olha, o Gullar está escrevendo um ensaio sobre o Augusto dos Anjos e queria que você publicasse, Fernando". Ele topou na hora. E o Darcy então falou: "Mas tem que adiantar um dinheiro". Ele então me deu US$ 100, para um livro que eu nem tinha escrito.

E US$ 100 era muito ou pouco para época?

Para mim, que estava vivendo com uma mão na frente e a outra atrás, era muito (risos). O Darcy fez de propósito. Ele sabia que a minha situação era precária. Eu tive então que escrever o livro. Quando cheguei a Buenos Aires, pedi para a minha mulher que me mandasse os livros necessários para escrever o ensaio.

Na segunda parte da entrevista, Ferreira Gullar fala do novo livro e do momento político brasileiro. O poeta faz críticas ao presidente Lula e ao PT.

No sarau de hoje você vai declamar algum poema do seu livro novo?

Vou. Mas ainda não sei qual.

Quando vai sair seu novo livro de poemas, “Em Alguma Parte Alguma”?

Vai sair logo depois do meu aniversário, que é em 10 de setembro [Gullar fará 80 anos). Mas a data certa ainda não sei.

Você continua não andando de avião?

Não. Eu não ando mais de avião. Eu tenho estresse. O estresse do aeroporto, da viagem... Atrasa tudo. Andar de avião é um sofrimento. A coisa mais rara é você chegar e embarcar na hora. É avião demais voando, e os aeroportos não comportam essa quantidade.

Você vai até Lisboa para receber o Camões?

Não sei. Não quero nem pensar nisso. Lá eu não vou não. Pegar avião para cruzar o Atlântico, ficou louco?

Você tem escrito ensaios?


Não. A minha ocupação permanente são as crônicas que faço para a “Folha de S. Paulo”. Tenho um livro chamado “Relâmpagos”, em que reuni textos poéticos sobre arte. Agora, estou preparando “Relâmpagos 2”, selecionando artigos que escrevi para algumas exposições, e textos que estou escrevendo. Devagar, sem pressa. Um livro que está me dando muito prazer de escrever.

Neste ano temos eleição presidencial. Você está animado?

Ah, vai ser uma batalha. Os dois candidatos estão empatados. Espero que o Serra ganhe. Será um absurdo se o Lula, que empurrou a Dilma garganta adentro do PT, vá empurrar agora garganta adentro do país só pela vontade exclusiva dele. Acho que nem a Dilma é a favor disso.

Mas o governo Lula não teve nenhum mérito?

Não é que não teve nenhum mérito. O principal problema do Lula é ele não reconhecer o que ele deve aos governos anteriores. Tudo dele é “Nunca na história deste país...”. Ele se faz dono de tudo o que ele combateu. Por que o Brasil passou pela crise da maneira que passou? Porque havia o Proer (programa de auxílio ao sistema financeiro).

Mas o PT foi para a rua condenar o Proer dizendo que o governo FHC estava dando dinheiro para banqueiro. E a Lei de Responsabilidade Fiscal? O PT entrou no STF contra a lei. Ainda está lá o processo do PT para acabar com a Lei de Responsabilidade Fiscal. O PT era contra o superávit primário, era contra tudo.

Quer dizer, tudo o que eles estão adotando e que se constitui a infraestrutura da política econômica eles combateram. Agora o cara não reconhece isso: ele diz que fez tudo. O Lula é, de fato, uma pessoa desonesta. Um demagogo. E isso é perigoso. Está arrastando o país para posições que são realmente inacreditáveis.

O cara se tornar aliado do Ahmadinejad, o presidente de um país que tem a coragem de dizer que não houve o Holocausto? Ele está desqualificando mundialmente porque está negando um fato real que não agrada a ele. Então não pode. O Brasil vai se ligar a um cara desse? É um oportunismo e uma megalomania fora de propósito. É um desastre para o país.

Eu espero que a Dilma perca a eleição. Não tenho nada contra ela, mas contra o que isso significa. O PT é um perigo para o país. O aparelhamento do Estado, o domínio dos fundos de pensão... Um sistema de poder que vai ameaçar a própria democracia. As pessoas têm que tomar consciência.

www.otempo.com.br

Pina Bausch e a beleza do mundo


1943-2010

por Vanessa Rato
10/06/2010

No dia 2 de Maio de 2008, o Ípsilon publicou aquela que terá sido uma das últimas entrevistas dadas por Pina Bausch - a coreógrafa que morreu hoje.
Na altura Lisboa assistia a um ciclo de conversas, filmes e peças da sua obra. Voltamos a publicar essa entrevista a Pina feita pela jornalista Vanessa Rato

Toda a gente a conhece assim: como figura recatada, avessa a falar em público e ainda mais a dar entrevistas.
Mas, quando atende o telefone, Pina Bausch, hoje com 67 anos (faz 68 a 27 de Julho), parece à vontade.

Dá uma gargalhada longa e sonora quando começamos por lhe dizer que dançou "Café Müller" uma única vez em Portugal há 14 anos, quando Lisboa foi Capital Europeia da Cultura e a Fundação Calouste Gulbenkian organizou um ciclo retrospectivo à volta da sua obra.

Desta vez, talvez seja demais chamar-lhe festival, mas a partir de hoje, entre o Centro Cultural de Belém e o Teatro Municipal São Luiz, ambos em Lisboa, voltamos a olhar para o percurso da coreógrafa.

Há conversas e filmes de entrada livre e três peças: a estreia nacional de "Nefés", sobre Istambul (hoje e amanhã, no Centro Cultural de Belém), oportunidade para rever "Masurca Fogo", feita sobre Lisboa em 98 e apresentada na altura, durante o festival Mergulho no Futuro, da Expo98 (dias 7, 8 e 9, também no CCB) e "Café Müller", a única peça do Tanztheater Wuppertal em que é possível ver Bausch dançar (dias 4, 5, 8 e 9 no São Luiz).

Nós estamos aqui, em Lisboa, e ela, que desde 94 tem sido uma presença assídua nos palcos nacionais e recebida de braços abertos por públicos cada vez mais vastos, está do outro lado da linha telefónica, na Alemanha, em Wuppertal, a cidade onde a sua companhia tem sede. Temos instruções precisas: um limite máximo de conversa de 15 minutos e um duplo pedido expresso (uma vez por escrito, outra por telefone) para que esses 15 minutos não sejam ultrapassados.

É mais um contra-relógio do que uma entrevista. Pina, a Papisa da dança contemporânea europeia, realmente parece à vontade, mas falar (pelo menos sobre o seu trabalho) não é coisa dela. Tempo para sete perguntas e as respectivas respostas.

Para o público é reviver uma fatia da história da dança contemporânea na Europa; e para si, como é para si, passados 30 anos, continuar a interpretar esta peça, um trabalho tão icónico?

É muito especial, muito, muito especial. Para mim esta peça tem muito significado. Quando a fizemos [em 78], [o meu companheiro de então] Rolf Borzik, que fez a cenografia de todas as minhas peças até 80, esteve muito envolvido entrava também em palco, na parte das cadeiras. Morreu em 80 e, para todos nós, e sobretudo para mim, esta peça tem muito a ver com esta relação, com todos os amigos juntos, e ele.

Foi também a única peça que fiz em que entro. Nunca tenho tempo para estar em cena, porque tenho que tomar conta da companhia. Neste caso, eles [os intérpretes] forçaram-me a entrar, diziam que se eu não entrasse eles não faziam. Ainda bem que me obrigaram. É sempre muito especial para mim. A verdade é que nem eu própria quero acreditar.

Penso: meu Deus! Como é que é possível que isto tenha acontecido?! E que sorte poder fazer esta peça! É maravilhoso poder ainda fazê-la. Ter a saúde para isso.

É uma peça de 78. Passaram-se trinta anos. Ao longo deste tempo a sua percepção da peça tem vindo a mudar?

É estranho porque, se calhar, a sensação mais presente, e a mais surpreendente, é perceber o quanto tudo, de certa forma, ainda é igual, pelo menos no sentido daquilo que quero atingir. Houve um período de infelicidade em que senti que já não me conseguia relacionar com a peça da mesma maneira, em que já não sentia as mesmas coisas, em que não conseguia encontrar os mesmos sentimentos.

Pensei: porquê?! Pus-me a olhar para o movimento de maneira diferente e para a música, a tentar perceber o que tinha mudado. Encontrei uma coisa muito pequena, por trás dos meus olhos fechados, que era se os tinha a olhar em frente ou virados para baixo.

Esta pequena diferença era, afinal, significativa fazia todo o sentimento. Mesmo estando fechados, quando os meus olhos estavam virados para cima, mudava tudo. Todos os pormenores são tão importantes! Tudo é pormenor. Quando queremos recuperar alguma coisa que já foi importante para nós, tentamos ir àquele sítio.

Nesta peça, o que é também importante é conseguir sentir que estamos sós, esquecer que há um público. Nesta peça, é importante chegar aqui, mas não o sei explicar por palavras. No fundo, basicamente, tudo isto é uma espécie de paraíso para mim. É belo. Eu sou uma bailarina ali [em cena], estou protegida, sem telefones, sem ninguém me poder falar. É como dar uma prenda a mim própria, uma flor.

Este é frequentemente visto como um dos seus trabalhos mais autobiográficos...

Não... Não tem nada a ver com a minha biografia. Chama-se "Café Müller" mas não tem nada a ver com o facto de os meus pais terem tido um restaurante.

Sempre se falou dessa relação, está em todos os livros sobre si e a sua obra.

Pois... [risos]. A mim nunca ninguém me perguntou nada [risos]. Esta peça nasceu de um convite para fazer um trabalho à volta do [dramaturgo britânico William] Shakespeare, um trabalho baseado numa passagem do "Macbeth". Éramos uns quantos bailarinos, alguns actores e um cantor. Tínhamos 14 dias até à estreia e achei que não era suficiente.

Decidi chamar mais algumas pessoas o Gerhard Bohner, Hans Pop, Gigi Caciuleano para uma coreografia que se passasse apenas numa sala, o Café Müller, em que cada um poderia fazer pequenas danças e contar as suas próprias histórias, ou até usar a sua própria música.

Decidimos 12 pontos que tinham que entrar na peça: a senhora de cabelo vermelho, por exemplo. A dada altura achei que podia fazer um solo ou qualquer coisa para Malou Airaudo. E vieram também o Jan Minarik, o Dominique Mercy e a Meryl Tankard, que era nova na companhia. Foi uma surpresa termos acabado a peça de forma muito rápida e apresentámo-la. No fundo, são quatro diferentes "Café Müller" que fazemos juntos. Como vê, nada tem de privado ou pessoal.

Em Lisboa vamos ter agora mais duas obras, "Masurca Fogo" e "Nefés", trabalhos que já correspondem a um período de criação diferente na sua obra. Como viveu essa mudança?

Lembro-me de que, a dada altura [em meados dos anos 80], me convidaram para fazer uma peça sobre Roma. Pensei: não, impossível! Como seria possível fazer uma peça sobre uma cidade com aquela história toda? Mas depois de muito conversar sobre o assunto [eu e os meus bailarinos] achámos que poderíamos tentar deixar-nos influenciar pela cidade.

A ideia foi passar lá três semanas, sem espectáculos. Trabalhar, mas também conhecer pessoas, passear. Foi a primeira peça: "Viktor" [86]. Abriu tantas portas, tantas possibilidades em que nunca poderia ter pensado. Estava tão curiosa e aprendemos tanto! Sentimo-nos tão próximos da cidade! Foi uma experiência incrível, e, logo depois, convidaram-me para fazer o mesmo em Palermo [ " P a l e r m o , Palermo", 89], o que já seria mais fácil, porque já tinha usado música do Sul da Itália.

Outros sítios acabaram por se seguir, cidades onde já tínhamos estado, onde tínhamos amigos, pessoas que poderiam mostrar-nos as coisas que amam, em vez de um lado turístico. Foi fantástico ter esta experiência em Lisboa. Foram tempos inesquecíveis. Foi por isso que achei fantástico poder mostrar outra vez aí a peça ["Mazurca Fogo", 98].

Tal como a peça de Istambul ["Nefés", 2003], que é uma cidade interessante e onde nos envolvemos muito com a cultura local.
Estas peças, como "Mazurca Fogo", ficam connosco. Já a apresentámos em imensos países, mas é sempre uma alegria repeti-la. Estamos tão próximos de tantas coisas que estão ali dentro. Não é como uma peça de reportório, é mais como uma parte do nosso corpo.

São peças que correspondem já a uma espécie de "fase de felicidade" da sua obra, uma "fase rosa", algo que começa, precisamente, após "Viktor" e "Palermo, Palermo", de que estava a falar...

Não sei se felicidade é a palavra certa é mais como uma energia positiva. É impossível simplesmente desistir. Para mim foi uma necessidade [esta mudança de olhar]. Mas as coisas evoluem como grandes ondas, uma peça surge de uma maneira e, depois, sem eu saber bem como, a seguinte já vem numa onda diferente. Mas é-me difícil falar do que será neste momento. Talvez um pouco de ambos. É difícil falar de certas coisas.

Como é que se pode falar deste desamparo que temos no mundo? O que é que fazemos com isso? Carregamos isso, esses sentimentos tão presentes. E há uma grande necessidade de gastar emoções. Não é só felicidade. É também o oposto disso. Mas em todo o meu trabalho há coisas tão diferentes. Vai-se muito fundo, mas depois volta-se. E há o humor nunca gostei de peças que se desenrolam num só nível; o ambiente das minhas está sempre a mudar, com o fim sempre em aberto. Eu também não sei. Há mais perguntas que respostas. Há muitas perguntas.

Vê espectáculos de dança contemporânea?

Tenho pouco tempo. Em Wuppertal nunca vejo nada, tenho de confessar. Mas quando viajo tento, tanto quanto possível. E também já organizei três festivais, para os quais convido as pessoas de quem gosto. Aliás, estou a organizar mais um e a ver imensos vídeos.

Durante muitos anos o seu trabalho foi uma matriz de que derivava a produção mais interessante na Europa. A partir de meados da década de 90, esse cenário mudou, há uma matriz de dança mais conceptual. Fala-se também, desde há alguns, anos numa crise. Sente essa crise?

Há muitíssimos jovens coreógrafos a tentar coisas muito interessantes. Enfim... Talvez não muitos... Bastantes. Há bastantes jovens coreógrafos a tentar linguagens muito pessoais. Mas é sempre preciso ver como as coisas se desenvolvem. Talvez o que seja triste, talvez porque não há muito dinheiro, é que está toda a gente a trabalhar para pequenos espaços e cada vez menos para grandes salas.

Talvez coisas mais viradas para a "performance", pessoas que não vêm da dança, mas que usam movimento à sua maneira, o que pode criar relações muito interessantes, mesmo com o público. É infinito o que é possível tentar. É essa também a beleza do mundo.

www.ionline.pt

Kazuo Ohno, o homem árvore



1906-2010

por Tiago Bartolomeu Costa
03.06.2010


Foi aos 95 anos que deixou os palcos. Durante mais de 50, este bailarino e coreógrafo japonês marcou a dança que se fez no Japão e no mundo, alcançando um patamar de excelência que nunca o rotulou como "exótico".

Kazuo Ohno foi sempre contemporâneo. A sua obra morre com ele.

O corpo estava frágil e já há uns anos que vivia acamado, depois de outros tantos em cadeira de rodas mas, ainda assim, a dançar, como na festa do seu 99.º aniversário, carregado ao colo pelo filho, Yoshito Ohno. Dois anos antes, em 2004, tinha anunciado o abandono dos palcos, mas a sua energia, contudo, não acabava. Kazuo Ohno faria 104 anos a 27 de Outubro, mas o corpo do bailarino e coreógrafo, que um dia disseram ser "uma árvore", cedeu.

Tal como com Merce Cunningham e Pina Bausch, desaparecidos recentemente, a morte do bailarino japonês deixa ainda mais vazia a frente revolucionária da dança mundial.

O encenador japonês Toshiki Okada, que está esta semana em Lisboa para apresentar uma peça no Alkantara Festival (ver Ípsilon amanhã), diz que Ohno deve ser entendido não como exemplo de representação da dança japonesa mas como "uma pessoa de extraordinária singularidade, cuja influência ainda se sente hoje, não de forma evidente para um olhar exterior, mas num plano mais profundo, mais íntimo e individual".

Okada, 35 anos, viu Ohno dançar quando tinha 19 anos e recorda-se, em particular, da sua capacidade de "tocar profundamente, mesmo se esticasse apenas o seu braço".

É essa simplicidade, adquirida com anos de formação, que singularizou Ohno e fez dele uma das maiores referências mundiais da criação contemporânea.

Diz-se que um bailarino deve iniciar o seu percurso cedo, mas Ohno começou apenas aos 43 anos, depois de ter sido professor de Educação Física e soldado, acabando como prisioneiro de guerra na Nova Guiné.

Efeito sísmico
Foram as performances que fez nos anos 60, na sequência de uma deriva criativa protagonizada por uma geração reactiva à presença norte-americana na ilha, "que produziram um efeito sísmico no mundo da dança japonês, colaborando regularmente com Tatsumi Hijikata, outra figura de particular peso na vanguarda japonesa", escreveu John Barret na revista alemã Ballettanz.

É Hijikata que, em 1977, assina a encenação de La Argentina Sho, o primeiro espectáculo de Ohno, amplamente influenciado pelas memórias que guardava de uma apresentação, 51 anos antes, de Antonia "La Argentina" Merce, "a rainha das castanholas", que, no início do século XX, transformara a dança espanhola.

Também Kazuo Ohno transformou a dança no Japão e não apenas no campo específico do butô (que significa "baixo").

Em 1980, quando Ohno chega à Europa com Admiring La Argentina, é uma nova dança europeia "muito aberta a outras influências, linguagens e técnicas" que o recebe.

Quem o diz é Maria José Fazenda, antropóloga e professora na Escola Superior de Dança, que salienta três aspectos fundamentais que encontram em Ohno o expoente máximo "de um novo género performático", a começar pelo prolongamento de uma tradição de travestismo no teatro japonês, "onde o género não é relevante, mas a criação efectiva de uma personagem que nasce dentro dele".

O seu percurso, e o modo de construção do seu olhar sobre a dança, e o corpo em particular, é devedor de um século complexo ao nível da história japonesa, seja ela militar ou social, onde se pressentem "reflexões sobre o terramoto em Kanto (1923), a Guerra do Pacífico (1937-45), as bombas atómicas de Hiroxima e Nagasáqui, a ocupação americana (1945-51) e os altos e baixos que sucederam ao milagre económico dos anos 60", salientou Barret.

Convocar a morte
Na conferência de imprensa que deu em Julho de 1994, aquando da sua única apresentação em Portugal (Centro Cultural de Belém, em Lisboa), Ohno disse que o butô é "uma dança que valoriza a vida", mas que o faz, inevitavelmente, "convocando a morte, pois não se pode pensar na vida sem pensar na morte". E acrescentou:

"Enquanto algumas pessoas crescem, outras vão morrendo, e é isso que quero mostrar através da minha dança". Esta atitude perante o presente é outro dos aspectos destacados por Maria José Fazenda, numa "incorporação de elementos expressivos da contemporaneidade japonesa".

Ohno "desenvolve uma técnica diferente do princípio euro-americano, ou seja, o surgimento do movimento antes da forma, e uma percepção do funcionamento do corpo, e do trabalho dos órgãos internos", promovendo uma procura "pelo outro que está dentro de nós, esse eu múltiplo que nos habita".

Por fim, diz Fazenda, à data da conferência de Lisboa crítica de dança, o bailarino japonês "despertou um interesse pelo expressionismo alemão num conjunto de criadores", permitindo a integração do discurso coreográfico-teatral de Pina Bausch na definição abrangente de dança contemporânea.

"As suas danças, na esteira da tradição alemã e dos solistas do modernismo, foram criadas pelo coreógrafo para serem interpretadas pelo próprio. Coreógrafo e intérprete ocupam o mesmo lugar biológico, físico e temporal, provocando com isto uma total veracidade de execução", escreveu António Pinto Ribeiro, ensaísta e programador, em Dança Temporariamente Contemporânea, de 1994, o ano da apresentação em Portugal de duas das peças: Water Lilies e Flowers-Birds-Wind-Moon.

"Os corpos na dança de Ohno recuperam a verticalidade, mesmo quando a energia contida que os faz mover lenta e silenciosamente os puxa para a terra", escreveu na altura Maria José Fazenda.

Ohno reflectia na conferência de imprensa sobre a continuidade do seu trabalho: "Como é que eu posso dançar, como é que eu posso exprimir certas coisas se cada vez tenho menos força e menos energia? Mas sou capaz, porque sei que não estou sozinho, dentro de mim habita a minha família que me dá a força que necessito."

Em Ohno, escreveu Pinto Ribeiro, "estávamos perante o paradoxo da obra inacabada. Só a morte terminará este processo de reescrita e arquivará esta dança em determinado desenho epocal e de circunstância".

A árvore muda deixou de florir a poucos meses de completar 104 anos.
Kazuo Ohno esteve em Lisboa em 1994. Na conferência de imprensa no Centro Cultural de Belém disse: " [O butô] é uma dança que valoriza a vida", mas que o faz "convocando a morte, pois não se pode pensar na vida sem pensar na morte". http://ipsilon


Livro


Kazuo Ohno, Vários Autores

Editora Cosac & Naify. 2003

Em 80, no Festival de Nancy (França), Antunes Filho, que estava lá para apresentar seu "Macunaíma", interessou-se em ver a primeira apresentação ocidental de Kazuo Ohno, em seu espetáculo de butô, até então um conceito desconhecido, entre teatro e dança. Segundo as palavras de Antunes, "as portas do inefável se abriam para mim".

Tecido de memórias, tendo a morte como pano de fundo, o butô é muito mais uma visão do universo do que uma técnica formal, apesar da proliferação de "escolas de butô" que se seguiram a partir do momento em que o Sesc Consolação trouxe para o Brasil o espetáculo visto por Antunes, "Admirando la Argentina", em 86.

Ohno viria mais três vezes ao Brasil e, em todas elas, deixou marcas profundas, inclusive em criadores como Tomie Ohtake e Ivaldo Bertazzo. O livro da Cosac & Naify documenta essas passagens, sobretudo através das fotografias de Emidio Luisi.

A rigor, bastariam as imagens: o movimento explicado por si, pelo registro da sensível câmera de Luisi e encadernadas com paixão em um processo semi-artesanal, em papel raro e tiragem limitada. Mas a organizadora e crítica da Folha Inês Bogéa, melhor do que tentar expressar o inefável em explicações redutoras, quis registrar a arte de Ohno através das impressões dos que se iluminaram com ele, além de traçar, na abertura do volume, a trajetória do butô e de seu criador.

O que se revela, portanto, em textos e imagens, é mais o processo e sua recepção do que um espetáculo-produto. Bogéa, contagiada pela simplicidade e ternura de Ohno, é precisa e envolvente em sua definição do butô (apontando influências de Isadora Duncan e do expressionismo alemão) que Ohno concebe em conjunto com Tatsumi Hijikata a partir de 1960, seguida pelo registro cronológico das obras, e passa rapidamente a palavra ao próprio Ohno, através de importantes entrevistas.

Nelas, Ohno evoca suas memórias, matéria-prima de seus espetáculos - sobretudo, as lembranças de sua mãe-, festeja a parceria com seu filho Yoshito (que também aparece nas fotos) e compartilha conceitos importantes, como a semelhança entre o butô e o bunraku, tradicional teatro de bonecos: assim como a roupa do boneco dá vida ao corpo de madeira, o que dá vida ao corpo do bailarino é o universo que o circunda.

Os depoimentos que se seguem, de Antunes Filho (que é muito revelador da estética do próprio Antunes) e Emidio Luisi consagram um gênio criador sem nenhuma auto-mistificação.

Ohno é um mestre na concepção de Guimarães Rosa, não aquele que ensina sempre, mas "aquele que, de repente, aprende".

Entre outras virtudes, portanto, o livro "Kazuo Ohno" celebra a criação artística como uma experiência vital, sem garantias de resultados definitivos, mas em eterna transformação, no inefável e na memória. (FSP - 12.4.2003)

Merce Cunningham: "Não há pontos fixos no espaço"

1919-2009

por: Maria José Fazenda e Óscar Faria
27.07.2009

Um dos momentos mais importantes e incontornáveis da programação coreográfica na Capital Europeia da Cultura foi protagonizado pela Merce Cunningham Dance Company, que durante três dias esgotou a sala do Rivoli.

Cinco obras coreográficas, musicais e plásticas - "RainForest", "Interscape", "Pond Way", "Windowns" e "Biped" -, distribuídas por três programas, que são reveladoras de um percurso de descoberta permanente por que se pauta, desde o início, nos anos quarenta, o trabalho do coreógrafo norte-americano Merce Cunningham.
Em intervalos sensivelmente de vinte anos (tantos!!!), Merce Cunningham esteve pela terceira vez no Porto, e a quarta em Portugal - a última foi em Lisboa'94.

Da utilização do acaso, da independência dos vários elementos do espectáculo - dança, música, cenografia-, passando pela utilização do programa de computador "LifeForms" e, mais recentemente, pelas novas tecnologias de animação por captação de movimento, toda a filosofia e metodologia de Mercê Cunningham apontam no sentido de uma democratização e de um alargamento das potencialidades da dança.

Em entrevista, Mercê Cunningham relembra alguns momentos deste percurso e explica o seu interesse pelas potencialidades das novas tecnologias.

Desde 91, especificamente desde a criação de "Trackers", que todas as suas obras são parcialmente criadas com o auxílio do programa de computador LifeForms. Como é que procede?

O LifeForms tem uma figura que se parece com o corpo humano a partir da qual trabalhamos. Construímos uma determinada configuração com essa figura; depois, num outro ponto da mesma linha temporal, realizamos outro movimento, sendo de seguida o computador que realiza a ligação, a deslocação, de um ponto ao outro.

Dando um exemplo, podemos ter as nossas mãos aqui [Cunningham coloca-as à frente do ombro do lado esquerdo] e dez segundos depois colocá-las no lado oposto, e o computador estabelece a ligação, desenhando o caminho mais directo de um ponto ao outro. Este é um exemplo muito simples, mas pode-se utilizá-lo com movimentos mais complexos.

Por vezes não é difícil colocar nos corpos reais aquilo que a figura virtual faz?

Oh, sim! Mas continuamos a tentar [risos].
No início foi muito difícil, mas gradualmente fomos compreendendo e aprendendo a trabalhar com ele. É uma questão de continuidade e, à medida que o tempo avançava, ia fazendo movimentos cada vez mais complexos. Quando se está face a uma coisa difícil, não se pode parar, tem que se continuar sempre a tentar, até que se encontrar a forma de o fazer.

Como é que avalia o contributo para a dança da utilização do LifeForms?

Vejo com ele possibilidades de movimento que não tinha visto antes, uma forma de ir de um ponto ao outro, de uma configuração à outra. Dá-nos ideias de movimentos que não se tinham visto nem descoberto antes, possibilitando ainda quebrar e ultrapassar hábitos corporais que são limitativos e que se podem de facto modificar. Para mim tem sido muito interessante.

Basta olhar para a diversidade das formas e qualidades de movimento das suas danças para perceber que Mercê Cunningham é um excelente observador da diversidade dos movimentos humanos e também dos movimentos da natureza...

Sempre achei que a variedade dos movimentos do corpo humano é limitada. Toda a gente tem duas pernas com que anda mas, se olharmos bem, vemos que cada pessoa anda de uma maneira diferente. Vemos, de facto, uma multiplicidade.

É sobretudo a partir dos anos 50 que, em colaboração com o compositor John Cage, introduziu o acaso [lançamento de dados ou moedas ao ar] como metodologia de composição. O acaso é também um procedimento utilizado com o LifeForms?

Sim, sim. A partir dessa figura de algum modo parecida com o corpo humano que tem o LifeForms, eu uso o acaso para decidir, por exemplo, o que é que os braços fazem a seguir a um movimento. Fazem o mesmo movimento a seguir, ou vão antes para a frente ou para o lado do tronco; ficam num mesmo nível, ou explora-se outro? As possibilidades são imensas.

Depois, procuro tornar essas diferenças visíveis, muito embora reconheça que elas talvez sejam mais imediatamente visíveis no ecrã do que no palco. Eu uso o acaso em todas as peças, também para decidir, por exemplo, quantos bailarinos dançam uma determinada secção coreográfica. Se fazem todos a mesma coisa ou não; se o fazem da mesma maneira...
Há ainda que decidir se o fazem da mesma forma ou em velocidades diferentes, e qual a duração de cada frase para cada um deles...

E, às vezes, o acaso obriga-nos a lidar com coisas verdadeiramente difíceis, como colocar, por exemplo, uma grande estrutura de movimento numa duração temporal muito curta [risos]. Fico sempre surpreendido com o que encontro... Tento, tento... Quase 90 por cento das vezes é possível.

Tem trabalhado com obras de inúmeros artistas plásticos - Robert Rauschenberg, Jasper Johns, Mareei Duchamp, Andy Wahrol... Com "Interscape" reatou uma colaboração com Robert Rauschenberg. A forma de trabalhar foi semelhante ao que acontecia nos primeiros tempos?

Sim, sim. É a mesma forma. Não interferimos uns com os outros, o coreógrafo o artista plástico e o compositor. Nós fazemos aquilo que escolhemos fazer, que decidimos fazer.
Quando voltámos a trabalhar para "Interscape", disse a Rauschenberg o máximo de que fui capaz sobre a dança - ele estava a trabalhar na Flórida, onde tem o estúdio, e eu em Nova Iorque -, mas disse-lhe que sobre o cenário não tinha qualquer ideia.

E ele respondeu-me: "Deixa estar, eu hei-de encontrar alguma" [risos]. E encontrou. De vez em quando vinha ao estúdio ver a dança... Mas fazia o que queria. Com os compositores passa-se a mesma coisa: alguns querem ver a dança, outros não. Não sabem nada da dança - é óptimo de qualquer das maneiras. John Cage costumava perguntar-me qual ia ser a estrutura da dança, a extensão de algumas secções, e eu dava-lhe isso.

A música de "Interscape", de John Cage, pode ser interpretada por uma orquestra de 108 músicos ou por um solo de violoncelo, como aconteceu aqui no Rivoli. Como é que vê essa diferença?

Em Veneza e em Amsterdã, penso, dançámos com a orquestra. O som é mais abundante, mas acho que ontem o som do violoncelo tocado por Loren Kiyoshi Dempster estava particularmente extraordinário. Não me parece que em nenhuma das versões se ganhe ou perca alguma coisa.

As figuras animadas que constituem o cenário de "Biped", construído por Paul Kaiser e Shelley Eshkar, representam uma nova incursão nas tecnologias. O que é que nelas lhe desperta mais interesse?

As possibilidades daquelas figuras são imensas. Uma vez, em Nova Iorque, por ocasião de uma sessão de perguntas e respostas, alguém perguntou a Jeannie [Jeannie Steele é uma das bailarinas da companhia] se ela não se sentia incomodada por ter aquelas imagens à sua frente, e ela respondeu: "Não, sinto-me muito bem a dançar com elas, são excelentes parceiros." Eu acho que foi uma óptima resposta.

Foi no Black Mountain que começou a trabalhar com diferentes artistas, numa atmosfera nova e muito particular de colaboração entre as diferentes artes. Como é que vê hoje esse trabalho?

Foi um tempo em que corremos riscos; ligávamos as coisas umas às outras. Rauschenberg podia trazer coisas e nós víamos como é que funcionavam. Acho que esta ideia de juntar coisas díspares, sem dizermos uns aos outros o que cada um devia fazer, era uma coisa muito política, anarquista [risos]. Eu tenho de dizer aos bailarinos o que eles fazem mas, de qualquer modo, quero que eles vejam a forma como o fazem.

É um trabalho político, democrático, quer no que diz respeito aos criadores e à construção do espectáculo, quer no que diz respeito ao espectador, o público pode escolher a dança que quer ver, pois não há nada que nos obrigue a seguir um determinado movimento.

Somos livres de escolher.

Sim, sim. O espaço sempre foi importante para mim. Desde o início que procurei trabalhá-lo de uma forma não convencional.
Quando, por acaso, li a frase de Einstein "Não há pontos fixos no espaço", disse que isto era perfeito para a dança. Qualquer ponto do espaço, onde quer que estejamos, é tão importante como outro qualquer. Neste sentido, sim, o espectador pode escolher também o que quer ver.

http://ipsilon

"O Oito"




«O Oito», de Katherine Neville, uma obra que o El País catalogou como «um dos melhores livros de todos os tempos».

«Conta a lenda que os Mouros ofereceram a Carlos Magno um tabuleiro de xadrez que continha a chave para dominar o mundo
.


Sul de França, 1790. No auge da Revolução Francesa, o lendário tabuleiro de xadrez de Carlos Magno, oculto há mais de um milénio nas profundezas da Abadia de Montglane, corre o risco de ser descoberto.

As suas peças encerram um intricado enigma e quem o decifrar terá acesso a uma antiga fórmula alquímica que lhe concederá um poder ilimitado.

Para mantê-las fora do alcance de mãos erradas, as noviças Mireille e Valentine deverão espalhá-las pelos quatro cantos do mundo.

Dois séculos depois, Catherine Velis, uma jovem perita informática, é enviada para a Argélia com o objectivo de desenvolver um software para a OPEP.

Nas vésperas da sua partida de Nova Iorque, um negociante de antiguidades faz-lhe uma proposta misteriosa: reunir as peças de um antigo xadrez.

Cat vê-se assim envolvida na busca do lendário jogo de xadrez e torna-se numa das peças desta partida milenar, jogada ao longo dos séculos por reis e artistas, políticos e matemáticos, músicos e filósofos, libertinos e o próprio clero.

Quem está de que lado? De quem será o próximo lance? Passado e presente entrecruzam-se magistralmente neste thriller excepcional de uma autora de culto em todo o mundo, considerada a grande precursora dos romances de Dan Brown.»

http://diariodigital.sapo.p

Educar com Bom Senso


por Sandra Gonçalves

Javier Urra, psicólogo clínico e pedagogo terapeuta, volta a surpreender. O autor do best-seller «O Pequeno Ditador» acaba de publicar «Educar com Bom Senso», um livro recheado de conselhos para formar os filhos com «inteligência, equilíbrio emocional e valores».




Em entrevista ao Diário Digital, este psicólogo espanhol revela-se um optimista e muito pragmático em relação às novas situações familiares. E não esconde que é destemido e que assume o que diz, não importa os riscos.

«Educar com Bom Senso», da Esfera dos Livros, apresenta casos e exercícios práticos e fornece as chaves necessárias para formar os filhos com critério, desde a nascença até à adolescência. Porque, para Javier Urra, cada etapa do desenvolvimento tem uma estratégia.

É curioso que este livro seja dirigido aos professores e orientadores para que estes possam guiar os pais na educação dos seus filhos. Como é que surgiu esta ideia? Apercebeu-se de que havia uma lacuna neste campo?

Todo o mundo diz que não há um manual para educar os filhos, aqui têm um. Apoiei-me muito nos professores para que se possa educar em sintonia entre a casa e a escola.

Tem uma longa experiência em trabalhar com jovens conflituosos. Tem assistido a um aumento de casos, talvez fruto das «novas situações familiares» que tão bem descreve neste livro?

A sociedade está mais complexa porém mais atractiva. Diluiu-se o que significa a autoridade e há agora uma nova realidade que exige um novo tipo de educação logo a partir dos primeiros anos, os primeiros meses e os primeiros dias.

No entanto, parece muito pragmático ao falar destas situações - famílias monoparentais, filhos adoptados, pais separados, famílias reconstituídas - é um optimista?

Considero que o optimismo é uma obrigação ética. Lá por as coisas se alterarem não significa que estejam piores. Os jovens sentem-se confortáveis nos distintos tipos de família. O essencial é não esquecer que se é mãe ou pai para toda a vida.

O termo «bom senso» é uma constante ao longo deste seu novo livro. Como define «bom senso», tendo em conta que pode ser tão abstracto?

O senso comum é essencial e quase todos o possuem, precisa é sim de critérios baseados em psicologia evolutiva que tento transmitir neste livro.

Reconhece a dada altura do livro, numa parte que dedica ao transtorno por défice de atenção e hiperactividade, que a taxa de incidência tem vindo a aumentar, mas muitas vezes por conta de diagnósticos errados e pressões das farmacêuticas? Não teme as críticas que isso possa suscitar?

Eu sou uma pessoa destemida, que assume o que diz e os riscos que isso pode acarretar, porém baseio-me em dados irrefutáveis. Digo é que é verdade que muitas crianças sofrem de stress e que esta é uma sociedade do zapping.

Não será também uma forma de desresponsabilizar as famílias e os educadores?

Os pais e outros educadores têm responsabilidades incontornáveis. A sociedade não pode melhorar somente através de normas ou sanções. Faz-nos falta uma higiene mental colectiva.

Considera que educar bem um filho é uma tarefa difícil?

Considero-o uma tarefa preciosa, a mais importante da vida que exige constância, compromisso, amor e saber que se é adulto.

Depois de «O Pequeno Ditador», «O que Ocultam os Filhos…» e o seu mais recente «Educar com Bom Senso» o que se segue?

Em Espanha acabo de apresentar um livro que se intitula «Fortalece a tu hijo» («Fortalece o teu filho»). Um guia para enfrentar as adversidades da vida. O mundo tem que preparar os pequenos para o que seguramente irão sofrer, de maneira que possam sobrepor-se.

Javier Urra, além de psicólogo clínico e pedagogo terapeuta, é professor da Universidad Complutense de Madrid. Da sua autoria está disponível em Portugal este mais recente «Educar com Bom Senso», «O Pequeno Ditador», já com 30 mil exemplares vendidos, e ainda «O que Ocultam os Filhos, o que Escondem os Pais», todos editados por A Esfera dos Livros. .

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Dança de Angola para o mundo



Angola tem plano de arte para a dança
01.05.2010

O Projecto “Dança Comigo” juntou, na quinta-feira, em Luanda, 13 grupos de dança contemporânea e clássica, na cerimónia de lançamento do programa “Dança às terças-feiras”, criado em alusão ao Dia Internacional da Dança, celebrado a 29 de maio.

O coordenador do Projecto Nacional “Dança Comigo”, Virgílio Santos, explicou que a idéia é contribuir na promoção da dança e unir os grupos e realizar regularmente espectáculos e festivais de dança.

“A ideia da criação deste projecto é resgatar os valores culturais da dança, tendo em conta que se trata de uma arte um pouco desprezada, comparativamente às outras que já conquistaram o seu espaço no país”, expressou.

Participam no projecto “Dança às terças-feiras”, que vai estender-se até ao fim do ano, os grupos Fénix, Yaka e Mini Yaka, Companhia de Dança Contemporânea de Angola, Variantes do Exército, Muntueno, Muenho Etu, Elenco Dance, Dançarte, Lambada do Kinaxixi, Minessa, Namore Senscion del Coracion e os Diamantes.
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Filomena Marona Beja: "Doeu escrever Bute daí, Zé!"



Depois de ter ganho o Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLB 2007 com «A Cova do Lagarto», Filomena Marona Beja está de regresso com «Bute daí, Zé!», editado pela Sextante.

Por Pedro Justino Alves

Felizmente! Numa escrita muito própria, a autora recorda como ninguém as ilusões e desilusões do 25 de Abril de 1974, num livro que certamente ficará como um das referências deste período. Através de múltiplas vozes, um retrato fiel de uma geração.

«Não havia semana que não chegasse alguém do estrangeiro. Entrevistava, gravavam. Fizeram documentários, publicaram livros. Desenhos, no Canard Enchainé. As eleições para a Constituinte. E o Verão avançou. À Casa das Palmeiras chegou um brasileiro chamado Lula. Sindicalista. Representava a organização dos trabalhadores mais pobres da América do Sul. Vinha por solidariedade. Cruzou-se com Jan-Birket, sindicalista dinamarquês.

Logo se organizou um debate. Perspectivas para Portugal: Socialismo ou regresso ao fascismo. Do percurso de Lula, a maioria dos presentes viveu para saber. De Birker ficou o aviso: «Os trabalhadores nórdicos são cada vez mais pressionados pela social-democracia. Uma forma de exploração que os transforma em simples máquinas, pagando-lhes o suficiente para terem mais um automóvel, ou mais um frigorífico. Dando-lhes a ilusão de que gozam de Liberdade.»

Liberdade, mas principalmente esperança, ilusão e… desilusão. Estas são as palavras que trespassam o novo livro de Filomena Marona Beja, que admite que «doeu» escrever «Bute daí, Zé!», uma obra que reflecte no fundo parte da sua geração, já que, em 1974, tinha 30 anos. Ou seja, viveu o que escreveu. Daí a dor…

Filomena Marona Beja acredita que o 25 de Abril não falhou, apesar de tudo. E mesmo que tivesse falhado, a alegria que sentiu na altura bastaria para justificar a vivência daqueles loucos dias, como a própria confessou.

O seu livro aborda muito da ilusão e da desilusão que foi o 25 de Abril. Tinha, na altura, 30 anos. O que foi em concreto o 25 de Abril para si? O que recorda desse período?

A Liberdade que sempre tinha desejado. Uma alegria que ninguém poderá roubar-me. Foi um período de Festa. Os cravos, as canções, o riso. Os militares de que, até então, nós tínhamos duvidado, propunham-nos um novo conceito de País, de vida. Acreditámos. E foi muito bom acreditar.

Mas como viveu na altura os muitos sonhos e esperanças que reflecte o livro?

Como quase toda a gente. Indo para a rua, participando em reuniões, discussões, reivindicações. Aqui! Já!

No seu entender, onde falhou o 25 de Abril, se é que falhou? E, além da liberdade, o que trouxe para o país?

Falhar? Não falhou. Mas a alegria de tantos, foi o fim dos privilégios de alguns. Partilhar, era coisa que não agradou a todos. De princípio, fizeram por não dar nas vistas, mas foram minando, contrariando. Voltaram, em força. Por outro lado, os mais novos lançaram-se na vida como se tudo lhes fosse devido. Não aprenderam a ser iguais. Estavam no centro do Mundo e não sabiam que a liberdade de cada um termina quando começa a pôr em causa a dos outros.

Doeu escrever este livro?

Bastante.

Norman Manea escreveu no seu mais recente livro editado entre nós, «O Regresso do Hooligan», o seguinte: «Sim, a intensidade do instante, a vida com a duração de um instante.» Acredita que este era o espírito do 25 de Abril?

Não seria! O que nos propunham era uma vida inteira, realizando, indo mais longe. Felizmente, há ainda quem teime em cumprir este propósito. Mas os que só dispuseram de um instante que, pelo menos, tenham sido sinceros enquanto durou.

Em termos de escrita, estamos perante um livro que não permite pausas. É como se estivéssemos debaixo d´água, sem fôlego, já que o ritmo de leitura é realmente impressionante. Foi complicado escrever «Bute daí, Zé!»?

Informei-me. Investiguei. Rebobinei muitas memórias. É um método que sigo sempre que escrevo, mesmo quando se trata de textos curtos. Depois, é o tecer do livro e isso dá sempre trabalho. E gosto.

Mesmo os personagens surgem de forma pouco aprofundada em termos psicológicos e de carácter, o que não é natural na literatura. Na minha opinião acabam por ser meros passageiros de um tempo? Concorda?

Não concordo que sejam psicologicamente pouco aprofundados. Passageiros do tempo? Como em tudo na vida, alguns foram. Mas nem todos. Por exemplo: a tia Lucy que surge logo ao princípio com dólares na mão e sai com um copo de champanhe embrulhado nas mesmas notas. O primo Pereira e o seu amigo Miguel Verdial. E o Boaventura, de Ourilhe? Para não referir outros, ainda mais evidentes. Passageiros do tempo? Todos acabamos por o ser.

Como analisa esta obra em comparação com as suas anteriores em termos de maturidade na escrita?

Entre a publicação de cada obra há sempre um decorrer de tempo e experiências. É inevitável que vá acontecendo um amadurecimento interior. E na minha idade, pode-se, ainda, fazer alguma loucura. Mas já não se desaprende.

Porque decidiu terminar o livro precisamente na morte de José Carvalho? Alguma razão especial?

Todos nós, os daquele tempo, éramos um pouco o Zé Carvalho. Povo que saía à rua, era solidário com os seus companheiros. Daria tudo por eles. Cada um de nós podia ter levado uma facada. Ter caído ao fundo de um beco. Todos nós nos podemos ainda levantar. Ele já não. Mas saber o que aconteceu é fundamental para que se possa ter alguma esperança.

A sua morte foi um dos períodos mais negros do pós-25 de Abril? Considera ser o acto em si a negação da própria revolução?

Não um período, propriamente. Mas dir-se-ia que foi um acto para que não estávamos prevenidos. No entanto, eles rondavam. Atacavam. Escondem-se, por vezes. Mas continuam a andar com facas nas algibeiras.

Quando terminamos o livro fica um sentimento de vazio, pois claramente a história clama pelos nossos dias. Poderemos esperar por uma segunda parte?

É… acabar um livro é perder qualquer coisa. Mas segundas ou terceiras partes não significa dizer mais ou melhor. Tenho a intenção de continuar a escrever. A escrita, afinal, é uma espécie de dentada de cão: só sara, aplicando-lhe pêlo de outro cão. É isso que vou fazer.

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Música inédita de Janis Joplin


Dave Getz grava música inédita de Janis Joplin nos quarenta anos da sua morte, a 4 de outubro de 70. Ela tinha apenas 27 anos.

Dave Getz, o baterista da Big Brother and the Holding Company, banda original de Janis, revela “Can’t be the Only One”, uma canção que ele e Janis escreveram em 68, pouco antes de “Cheap Thrills”, um dos 500 maiores álbuns de todos os tempos segundo a revista Rolling Stone.

“Algumas pessoas me lembraram que este é o 40º aniversário da morte de Janis”, Getz disse, de sua residência em Fairfax. “Eu nem mesmo pensei nisso quando decidi gravar a canção, e nem foi tentando explorar o aniversário que estou lançando isso agora. Eu apenas pensei que deveria colocar esta canção no mundo, para fazer parte da minha música. É algo que tenho que dizer.”

No verão de 68, Janis e a Big Brother ensaiavam em Manhattan quando Getz apareceu com um pequeno riff de blues no piano que se tornaria a base de Can’t be the Only One.
“Eu disse, ouçam isto, e todos começaram uma jam em cima desta base,” ele relembra. “Janis disse Ei, eu gosto disso. Vou escrever umas palavras para ela”.

E foi o que ela fez. Bem nesta época, enquanto os críticos em Nova York falavam mal da Big Brother (alegando que eles não estavam no nível de Janis enquanto músicos), ela convocou os companheiros em seu quarto no hotel para anunciar a carreira solo.

“Nós sabíamos que aconteceria,” Getz recorda. “Tínhamos este temor havia algum tempo. Foi duro. Quando penso nisso agora, sabendo o que sabemos, eu gostaria que tivéssemos pressionado ela para ficar um pouco mais. Mas sabíamos que aconteceria, e estávamos todos cansados.”

Em meio à turbulência profissional e decepção pessoal, Getz jogou a letra em uma caixa, onde ficaria pelos próximos 40 anos. “Eu mostrava essa letra às pessoas como peça de memoria,” ele diz.

“Até que um dia, eu li novamente e comecei a pensar nela nos termos do que conheci sobre Janis e sua história, e me ocorreu que não eram apenas palavras sem um significado, que ela apenas largou lá. Era autobiográfico”.

“Eu nem mesmo pensei naquilo quando decidi gravar a canção...,” disse Dave Getz, segurando uma foto tirada em 68, dele tocando bateria com Janis. ”Ela viu que sua própria tragédia estava prestes a se revelar”(..) Ela ainda sentia dor e solidão apesar de todos os elogios, e aquele sofrimento era despejado em suas letras”.

Ela escreveu. “Tire este coração solitário desta garota solitária.”
Em outra linha, ela negocia com o lado sombrio da fama. “Chegar tão alto, querido, não posso evitar de me queimar. Vinte e cinco anos de sofrimento (ela tinha 25 em 68) e você acha que agora eu aprendi”.

Ano passado ele entrou em estúdio com uma banda de músicos escolhidos à dedo, chamada Dave Getz Breakaway, para gravar a faixa. Ironicamente, Kathi McDonald, que substituiu Janis na Big Brother há tantos anos atrás, cantou os vocais principais. Duas versões da canção “Can’t be the Only One” estão no CD que traz outras oito que Getz escreveu.

Para a posteridade, ele emprestou a letra original de Janis, escrita à mão para o Marin Rocks, o museu da história do rock a ser aberto em San Raphael. “Houve oportunidades de gravar no passado, mas por alguma razão, minha mente nunca esteve naquele ponto de enxergar a importância da canção e a possibilidade de fazer algo realmente bom com isso. Mas agora eu a gravei como eu acho que a Big Brother a teria tocado”, Getz disse

Vida
Janis Joplin foi muito mais do que a única branca a alcançar reconhecimento interpretando blues (reduto de músicos negros, principalmente quando consideradas artistas do sexo feminino), foi também cantora de rock, dona de uma voz incomparável, e capaz de imprimir às músicas que cantava uma marca inconfundível de interpretação e sensualidade.

Nasceu em Port Arthur, Texas, a 19 de janeiro de 1943, em família humilde e conservadora que não aceitava facilmente o caminho que ela havia escolhido. Já na adolescência cantava blues e folk inspirada por Bessie Smith, entre outras cantoras.

Em 66 mudou para a Califórnia e juntou-se à banda Big Brother and The Holding Company. Em poucos meses Joplin tirou a banda da obscuridade, logo assumindo sua liderança (a princípio havia sido chamada apenas para fazer backing vocals).

Com esta banda Janis Joplin gravou o álbum Big Brother And The Holding Company em 67 e Cheap Trills (um de seus melhores) em 68.
Em busca de mais liberdade de decisão nos rumos que sua carreira tomava Joplin abandonou a banda Big Brother para formar a sua própria, The Kozmic Blues Band.

Seu primeiro álbum como artista solo, I Got Dem Ol' Kozmic Blues Again Mama. O resultado porém não foi tão bom quanto o esperado, pois embora a sua nova banda tivesse melhores músicos e melhores condições, não tinha a espontaneidade e sintonia que caracterizaram seus trabalhos anteriores.

Em busca da sonoridade mais simples e eficiente Joplin reformou sua banda com o novo nome de Full Tilt Boogie Band. As mudanças no estilo foram imensas e para melhor, com uma sonoridade que destacava seu vocal que havia se desenvolvido sensivelmente.

Em meio às gravações do álbum Pearl, Janis foi encontrada morta, vítima de overdose de heroína e álcool, ainda com as marcas de agulhas nos braços. O álbum foi lançado com as faixas para as quais ela já havia gravado os vocais. Ironicamente a música Mee and Bob McGee foi o maior sucesso de sua carreira, dois meses após a sua morte.
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