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O Evangelho do Enforcado é o mais recente romance de David Soares, onde história, fantasia e horror se entrelaçam numa forma harmoniosa e poética.
O autor aliou um estudo intenso com a sua imaginação prodigiosa para revelar as circunstâncias da criação dos misteriosos Painéis de S. Vicente. Para tal, David Soares apresenta a sociedade portuguesa do século XV de forma minuciosa, fugindo às ideias preconcebidas da elegância medieval, não temendo, de forma alguma chocar através dos factos reais da época, e levando o leitor a crer que a ficção é real.
O leitor é levado numa viagem onde conhece Nuno Gonçalves, que nasceu com o dom da pintura... e com espinhos de ouriço-cacheiro. Esta é uma personagem realmente cativante, diferente desde o primeiro momento. Nuno não revela ser possuidor de grande emotividade, até ao momento em que descobre o prazer do cheiro dos mortos e a beleza da pintura.
O leitor contempla evolução de Nuno Gonçalves ao longo da narrativa - artista, necrófilo, psicopata e assassino -, ao mesmo tempo que observa o jogo de poder da ínclita geração.
David Soares é um nome de grande peso na literatura fantástica portuguesa. Com uma escrita trabalhada, poética e envolvente, transporta o leitor para uma narrativa onde nada é deixado ao acaso.
As descrições são precisas e credíveis, os diálogos são adequados e acarretam sabedoria, todos os pormenores existem por alguma razão, as coincidências não existem. Agradou-me o facto de as personagens não serem, de forma alguma, escolhidas ao acaso. É possível verificar que a grande maioria dos intervenientes da narrativa estão ligados a diferentes domínios da história portuguesa, por mais curta que seja a sua aparição.
Esta obra fomenta a reflexão sobre o verdadeiro significado e valor da arte, da morte, da vida, chegando a provocar o choque com descrições cruas e reais. A personagem Geronte, um ser sobrenatural, marca, neste aspecto, uma posição crucial, uma vez que representa a condição da vida que remete unicamente à morte, sendo esta apenas vencida pela arte, que, com voz própria, persiste no todo.
"A criação - a arte - é o único antídoto contra a morte."
Tudo é pensado de uma forma muito inteligente e requintada, até ao mais ínfimo pormenor, de forma a encaminhar o leitor para um final que faz desejar por mais. Os pormenores dos painéis e o auto-retrato servem de complemento ao texto e a sua integração na obra foi uma boa escolha.
Gostei muito das notas finais de David Soares, uma vez que arrematam a obra sem deixar espaço para dúvidas acerca das razões do autor, as influências e a explicação de pormenores bem interessantes, como o caso da peste negra ou da criação do Tarot.
Gostaria apenas de referir, que teria sido mais agradável se o autor tivesse optado por efectuar as traduções das frases em latim, uma vez que tive que parar a leitura por diversas vezes para procurar o seu significado (nem sempre foi sucedida).
Foi interessante observar o latim nos diálogos, numa forma de aproximação à época, mas teria sido bom se a sua tradução estivesse como nota de rodapé, para que o leitor não perca nenhum conteúdo.
David Soares prova, mais uma vez, que a sua imaginação não tem limites e que é um escritor de grande qualidade, o que faz com que esta crítica pouco consiga descrever o prazer que tive ao ler “O Evangelho do Enforcado”. Aconselho, sem a menor sombra de dúvida. (Blogue Bela Lugosi is Dead)
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