A revolução estética do Teatro de Arena paulista

Izaías Almada escreveu o livro Teatro de Arena: uma Estética de Resistência.
São lembranças e opiniões de ex-integrantes do Teatro de Arena paulista e de pessoas a ele ligadas de alguma forma.

Izaías foi ator lá entre 64 e 69 e incluiu no livro entrevistas e reflexões no cotidiano do grupo.

O Arena surgiu a partir das atividades do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e da Escola de Arte Dramática (EAD), da Universidade de S. Paulo.

O crítico teatral Décio de Almeida Prado recorda o surgimento do Teatro de Arena, como era a cena cultural com o TBC e com a criação da EAD, onde foi professor do então aluno José Renato, um dos criadores do Arena.

Essa forma de teatro apresentou-se, no inicio, como uma maneira barata de encenar, já que com o palco em forma de arena não era preciso gastar com grandes cenários. Eram valorizados, nesse caso, os figurinos e a interpretação.

Com a encenação de “Eles não usam Black-tie” (58), a ideologia dos integrantes estabeleceu o hoje chamado "teatro revolucionário”.

A nova forma de teatro, voltada para a realidade do país, e a nova estética chamaram a atenção: personagens como empregadas domésticas e operários em greve antes não apareciam nos palcos. O Arena valorizou textos de conteúdo social de autores nacionais.

Vera Gertel, casada com Vianinha e ligada à Juventude Comunista, conta como era ser atriz, mulher e militante nessa sociedade.

As entrevistas mostram que o Arena não foi fruto de plano de uma pessoa. Se construiu e se modificou com o passar do tempo e acompanhou o cenário nacional e mundial. Atores e dramaturgos fizeram a criação.

“O Teatro de Arena atravessou 20 anos da história do Brasil e era natural que nesse período buscasse a cada momento orientar-se estética e politicamente de acordo com os ideais dos seus principais integrantes, homens e mulheres de esquerda, de origem pequeno-burguesa, alguns dos quais ligados ao Partido Comunista Brasileiro”, revela um trecho do livro.

Augusto Boal cuidava da formação dos atores.

Ele idealizou os Seminários de Dramaturgia para uma ampla discussão do papel do teatro e do ator. Segundo Roberto Freire, Boal expunha conceitos e conhecimento sobre teatro, inspirado em curso de dramaturgia feito nos Estados Unidos com John Gassner.

O Arena foi críticado por seu modo de enxergar a realidade. Muitos até hoje acusam que foi um grupo fechado, limitado pelas próprias ideologias, que dividia o mundo entre “bons” e “maus”.

Histórias engraçadas ilustram o livro. O palco no formato de Arena dava intimidade com o público, que diversas vezes interferia com comentários ou invadindo a cena.

Era natural que o Arena desaparecesse durante a ditadura, mas não sem luta. O Arena deu vida aos musicais Zumbi e Tiradentes e ao show Opinião, no Rio de Janeiro. Montou espetáculos como O Inspetor Geral (Gogol), Arena Canta Bahia e a Primeira Feira Paulista de Opinião.

Após 68, membros do Arena foram presos e torturados e mesmo assim os trabalhos continuaram. A Primeira Feira Paulista de Opinião, por exemplo, reuniu artistas de várias áreas para protestar contra a censura e a falta de liberdade de expressão.

Augusto Boal foi preso e torturado e as sequelas ficaram por toda a sua vida. Gianfrancesco Guarnieri diz que a censura mobilizou a classe teatral. Com o fim do Arena, os integrantes se dispersaram ou criaram outros grupos.

Verbetes

Gianfrancesco Guarnieri
Nasceu em Milão, Itália. Começou ligado ao Teatro de Arena de São Paulo, participando, como autor e ator, do trabalho de pesquisa de uma dramaturgia de temática popular e brasileira.

Escreveu, nesta linha, Eles não usam black-tie (1958 - também levado ao cinema), A semente, Gimba, O filho de cão, além da série Arena conta Zumbi (1965), Arena conta Bahia e Arena conta Tiradentes (1968), em parceria com Augusto Boal.

Para contornar a rígida censura da época da ditadura militar, escreveu Botequim (1973) e Um grito parado no ar (1975).

Augusto Boal
Dramaturgo, diretor e teórico teatral brasileiro. Famoso por seu trabalho como estimulador de uma concepção marxista da função teatral, com vivo interesse pela problemática latino-americana.
Sua obra O Teatro do Oprimido (1975) constitui um verdadeiro modelo para o teatro latino-americano de caráter político.

Oduvaldo Vianna Filho
Vianinha um dos maiores teatrólogos de sua geração e do teatro brasileiro.
Morreu aos 38 anos de câncer e no leito ditou para a mãe os diálogos finais de Rasga Coração, um de seus maiores sucessos.
Foi considerado também um renovador da TV criando o programa A Grande Família.
Sua trajetória é parecida com a de Gianfrancesco Guarnieri: Teatro Paulista de Estudantes (55) e Teatro de Arena. No Rio foi um dos fundadores do Centro Popular de Cultura, o CPC da UNE, no início da década de 60.

Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes, com Internet

Jung e o Teatro

Por Carlos Augusto Nazareth


“Razão e imaginação são partes inseparáveis de

um todo complexo em tensão permanente” (CJ)


Já não é novidade nem novo que a construção integral do indivíduo passa pela razão e pela emoção. O nosso objetivo aqui é verificar como o teatro pode ser um dos muitos instrumentos possíveis para a formação integral do ser humano, a partir de um artigo sobre a obra de Jung, escrito por Maria Cecília Sanchez Teixeira.

Jung retoma e de alguma forma relembra e recoloca alguns conceitos que vão se generalizando e, portanto se fragmentando, perdendo sua essência e até adquirindo significados diversos daqueles de sua origem e verdade, como um esgarçamento e pluralidade de um conceito bastante uno e definido em sua origem.Apenas uma frase de Jung nos coloca frente a um problema corriqueiro e cotidiano que se tornou banal, pois exatamente seu cerne se perdeu e foi adquirindo outro significado.

“O teatro é ‘educativo’ apenas por facilitar e provocar o
autoconhecimento e o conhecimento do outro”. (CJ)

Esta colocação nos volta aos conceitos de educar, que tem um sentido muito mais amplo do que hoje a maior parte das pessoas que lidam com esta área por vezes lhe atribuem.
Se estamos pensando em teatro, esta colocação nos remete a Brecht, quando diz em seu Pequeno Organón que “o teatro não foi feito para ensinar”.


E na leitura Jung x Brecht fica claro que o conceito de educar é comum a ambos.Para Jung educação é um processo de autoconstrução da humanidade no sujeito, tanto em sua dimensão individual quanto social, como diz Beatriz Fétizon. Processo de autoconhecimento, de autoconstrução da humanidade, de “transformação da alma.”

Esta acepção de educar é ampla, e abrange na verdade toda a relação do indivíduo com o mundo e com si mesmo, com seu processo de individuação, mas também com seu processo de integração social. E esta ampla educação não é a que normalmente usamos quando falamos de criança, de escola, e mais uma série de afirmações esgarçadas de sua essência.

Esta “educação” abrange o ser como um todo em seu processo de construção onde a lógica e a razão têm o mesmo peso que a intuição, a imaginação. Esquerdo e Direito se equilibram na balança dos processos intelectuais.

E sempre voltaremos ao teatro. O teatro tem esta função.
Possibilita que o indivíduo se veja a si mesmo, se pense e se repense, ao mesmo tempo em que é possível ser tocado em sua emoção e sensibilidade, neste seu processo de individuação, mas também permite que o individuo se veja na cena do mundo, num processo de percepção do social.


“Perceber e criar por meio de símbolos são os modos básicos pelos quais o homem organiza suas experiências e ações. Os processos de simbolização permitem ao ser humano assumir sua humanidade, tomar consciência da condição própria dos seres vivos” (CJ).

E para Durand, em As Estruturas Antropológicas do Imaginário “o universo humano é simbólico e só é “humano” à media que o homem atribui sentido às coisas e ao mundo.
Acreditamos que a essência do teatro é simbólico. Mesmo em se tratando do teatro realista, a realidade recriada ali o é muitas vezes através de símbolos.


O próprio espaço cênico simboliza a casa, o mar, o universo. O mesmo espaço cênico, em questão de segundos muda o seu significado porque ele simboliza “N” espaços, que podem se modificar no decorrer de uma trama.

Não queremos aqui fazer uma análise profunda desta questão, pois mereceria um estudo à parte, mas o teatro tem este poder de usar o símbolo, assim como outras artes dramáticas.
Mas nos parece que o teatro tende mais a se utilizar dos símbolos do que o cinema, que a nosso ver tende mais a usar o elemento real na construção de sua fábula.


Tanto que as cenas imperecíveis do cinema são muitas vezes aquelas que utilizam uma forte simbologia, como em La Nave Va, onde o mar é um grande plástico ondulando ao vento quando o espectador esperaria um mar realista.

Esta ruptura da linguagem mais tradicional causa um impacto e um significado muito maior que a imagem do mar. Da mesma forma que no teatro hoje, quando se utiliza imagens reais, como a do mar mesmo, em cena, em projeções, causa uma estranheza que provoca um redimensionamento da cena.

A abordagem de Jung sobre seu “pensamento pedagógico” é tão próxima por vezes do teatro que dele toma algumas questões. “Nesse jogo entre o individual e o coletivo, para driblar a individualidade, a psique coletiva se mascara da psique individual”.

A essa máscara Jung denomina PERSONA, considerando-a um segmento arbitrário da psique coletiva. E persona é como se designava originalmente a máscara usada pelos atores, significando o papel que desempenhavam no teatro, portanto o segmento naquele momento aflorado e ampliado – a persona , o personagem que se constrói a partir do todo – é a expressão de uma parte do todo que constitui aquela fábula e esta fábula está, ao mesmo tempo, inserida num macro texto universal.

Seria ela um micro texto constituinte do macro texto que nos revela o universo. Jung diz “a individuação não nos separa do mundo, mas faz o mundo parte de nós, precisamos conhecer a sociedade para a qual educamos – no sentido de preparação do indivíduo para viver o todo que somos e que muitos atribuem a um falso conflito entre razão e imaginação.

Na verdade são partes inseparáveis de um todo complexo em permanente estado de tensão. Quando se valoriza mais um dos pólos, rompe-se a relação de complementaridade e antagonismo entre eles, criando-se a ilusão de que são dicotômicos.” (CJ)

Como estamos nos reportando ao teatro, esta tensão equilibrada necessária é que coloca Aristóteles quando diz que a tensão equilibrada entre razão e emoção é que torna o “drama” equilibrado e, por conseguinte, temos uma fábula conseqüente.

A arte, e principalmente o drama, pode ser um instrumento de reequilíbrio entre razão e emoção. O épico mais o lírico, segundo Hegel, constroem juntos o drama (ação).
Aristóteles diz que a “mimesis” não é uma reprodução das ações, mas uma reprodução dos sentimentos que provocam as ações. Ações, portanto, são geradas pela razão e pela emoção e esta é a essência do drama, a essência do teatro.


O equilíbrio entre razão e emoção na construção integral do ser humano não pode prescindir da Arte, como também não pode prescindir da razão – o equilíbrio e tensão entre estes dois pólos mantêm a unidade e integridade do indivíduo.

O teatro é isto exatamente e propicia que espectador vivencie esta tensão redentora; se rever e rever o mundo através desta ótica. Mas claro não só o teatro – o teatro é aqui, neste momento, nosso foco, mas a Arte e todas as linguagens que propiciam o desenvolvimento da imaginação, do sentimento, possibilitam, num processo de troca e tensão, um equilíbrio com a razão.
Portanto mais do que já dito visto e revisto que o homem, para sua formação integral depende da Arte.


O teatro é uma arte bastante completa que abrange de forma totalizante esta sua função quando trabalha com diversos tipos de linguagem artística que formam a tessitura teatral.

Autoconhecimento e adaptação ao mundo são os dois pólos em torno dos quais giram as propostas de educação Junguianas. Educar para Jung é um processo relacional, em que não é a ciência ou a técnica que contam, mas a personalidade do educador, pois, o que está em jogo é a formação da consciência e da personalidade do indivíduo.

E este pensamento Junguiano deve estar presente na construção do espetáculo teatral. Ele deve contribuir para esta formação da consciência e personalidade do individuo, se não, corre o risco de se tornar um discurso vazio e este “discurso” teatral só se torna denso e modificador quando tomado como Obra de Arte.

“É possível imaginarmos uma pedagogia que reintegre razão e imaginação, que equipare pensamento simbólico ao pensamento lógico, que estimule a sensibilidade, que ative fantasias, utopias e mitos que possam ser compartilhados por todos?“ (CJ)

Jung trata do indivíduo e do todo, o teatro fala do indivíduo e do todo - talvez este paralelismo seja tão propício a um estudo do teatro à luz de algumas idéias Junguianas que, com certeza, nos ajudarão a entender melhor a função do teatro.

Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes, com http://www.cepetin.com.br/

Teatro e Arte Dramática - uma história milenar

As artes cênicas incluem tudo o que se refere à feitura da obra teatral: interpretação, figurinos e cenários, a produção.
O teatro desenvolveu-se ao longo da história em três níveis: como divertimento popular, de organização mínima; como importante atividade pública; e como arte para a elite.
Há pelo menos dois elementos fundamentais em uma representação - ator/atriz e público, e pode-se usar a mímica ou a palavra.
Uma representação pode ser valorizada com os figurinos, maquiagem, cenários, acessórios, iluminação, música e efeitos especiais Esses recursos podem servir para criar a ilusão de lugares, tempos e personagens diferentes, ou para sublinhar a própria visão da representação como algo diverso da experiência diária.

O Teatro no Ocidente
A maior parte das teorias aponta para o ritual nas origens do teatro ocidental.
A Poética (330 a.C.), de Aristóteles, primeira obra crítica sobre a literatura e o teatro, afirma que a tragédia grega nasceu a partir do ditirambo, hinos corais em honra ao deus Dionísio. Segundo a lenda, Téspis, poeta do séc. VI a.C., criou a tragédia ao fazer o papel de personagem principal.
A tragédia grega floresceu no séc. V a.C. com Ésquilo, Sófocles e Eurípides. As obras são grandiosas, em verso e estruturadas em cenas (episódios) com três ou menos personagens e um coro que canta em odes.

A maior parte das histórias se baseia em mitos ou relatos antigos e o seu objetivo é mostrar o caráter dos personagens, o papel da humanidade no mundo e as conseqüências das ações individuais.

As comédias mais antigas que se conhece são as de Aristófanes. Têm estrutura bem cuidada, inspirada nos antigos ritos de fertilidade. Sua comicidade consistia numa mistura de ataques satíricos a personalidades públicas, pilhérias escatológicas e paródias aparentemente sacrílegas dos deuses.

O misantropo é a única obra completa que se conserva de Menandro, o grande autor da nova comédia grega. A trama gira em torno de uma complicação com o amor, o dinheiro, problemas familia.

O teatro romano só apareceu no séc. III a.C. e seu período mais fecundo se iniciou no séc. II a.C., marcado pelas comédias de Plauto e Terêncio, que eram adaptações da nova comédia grega. As tragédias de Sêneca viriam a exercer grande influência na época do renascimento.

Em fins do séc. II a.C. a literatura dramática entrou em declínio, substituída por outras formas mais populares de diversão.

A nascente Igreja cristã atacou o teatro romano porque os atores e atrizes tinham fama de libertinos e os mímicos satirizavam os cristãos.
Com o fim do Império romano, o teatro clássico decaiu no Ocidente. A atividade teatral só ressurgiria cerca de 500 anos depois. Apenas os artistas populares, os jograis, sobreviveram.

Por ironia o teatro como drama litúrgico reapareceria na Europa graças à Igreja católica romana, que dele se serviu para ampliar sua influência. No séc. X, os diferentes ritos eclesiásticos ofereciam possibilidades de representação dramática e a própria missa era, na realidade, um drama.

Com o tempo, o espetáculo foi assumindo um sentido secular.
Por volta do séc. XIV, as obras eram escritas em forma de coplas (estrofes em geral de quatro versos, destinadas a serem cantadas com música popular), de fácil memorização.

Apesar de seu conteúdo religioso, eram em grande parte consideradas como forma de divertimento. Daí surgiram peças folclóricas, farsas e dramas pastoris, que influenciaram o desenvolvimento dos autos no séc. XV.

A Reforma protestante pôs fim ao teatro religioso em meados do século XVI, surgindo em seu lugar um novo e dinâmico teatro profano. O renascimento esboçou uma tentativa de recriar o drama clássico.

Na Itália os primeiros exemplos de teatro renascentista datam do séc. XV. Eram obras com finalidade didática e concebidas para serem lidas. Menção especial merece a peça La Celestina, do dramaturgo espanhol Fernando de Rojas, onde aparecem os elementos que caracterizarão o teatro espanhol do século de ouro.

Em fins do séc. XVI, as elaboradas exibições cênicas levaram à criação da ópera, que logo se popularizou, exigindo a construção de grandes teatros. O teatro popular, baseado na improvisação, deu origem à commedia dell'arte, que teve seu apogeu entre 1550 e 1650.

O drama clássico evoluiu na França, nas obras de Corneille e Racine. Molière, por sua vez, é considerado o grande comediógrafo francês. Ver Comédie Française.

O teatro renascentista inglês partiu das formas populares e das exigências do público em geral. Thomas Kyd e Christopher Marlowe permitiram o nascimento de um teatro dinâmico e épico, que culminaria no trabalho complexo e diversificado do maior gênio do teatro inglês, William Shakespeare.

O século de ouro espanhol designa uma dos períodos mais férteis da dramaturgia universal. Seguindo a influência italianizante, introduzida na Espanha por Juan del Encina e Lope de Vega, caberia a este a responsabilidade e o mérito de haver então integrado em sua valiosa Arte nova de criação de comédias (1609) as linhas mestras que regeriam o teatro de sua época, conhecido como 'comédia nova' espanhola. Calderón de la Barca seria, por sua vez, o mestre dos autos sacramentais.

O teatro do séc. XVIII, em grande parte da Europa, era basicamente um teatro de atores, com as obras escritas já ao estilo de representação. No entanto, produziu-se igualmente uma reação ao neoclassicismo e um gosto crescente pelo sentimental em dramaturgos como o alemão Ephraim Lessing e o francês Pierre de Marivaux.

Na Inglaterra, George Lill e Richard Steele escreveram peças sobre as classes média e baixa, com situações realistas, se bem que simplistas.

Na Espanha desenvolveu-se um tipo de teatro popular que ressaltava os aspectos castiços dos plebeus, com destaque para os madrilenhos. Leandro Fernández de Moratín reagiria a esses extremos, fazendo em sua obra uma crítica da sociedade.

Ao longo do séc. XVIII tomaram corpo certas idéias filosóficas, que acabariam por reunir-se em princípios do séc. XIX no movimento romântico.

Muitas das idéias e práticas do romantismo estavam já configuradas no Sturm und Drang, liderado por Goethe e pelo dramaturgo Friedrich von Schiller.

As obras do dramaturgo francês René Charles Guilbert de Pixérécourt abriram caminho ao romantismo francês. Hernani (1830) de Victor Hugo é considerada a primeira peça romântica francesa.

O introdutor do romantismo na Espanha é Alarcón, Duque de Rivas, com sua obra Don Álvaro o la fuerza del sino, mas o expoente máximo é José Zorilla, autor de Don Juan Tenorio.
Em meados do séc. XIX o interesse pelos detalhes realistas, as motivações psicológicas e a preocupação com os problemas sociais provocaram o surgimento do naturalismo no teatro.

Na França, Émile Zola comparava o trabalho do autor teatral ao do médico, que tem que fazer aflorar a enfermidade para curá-la.

Ao mesmo tempo crescia o interesse pelo realismo das motivações psicológicas dos personagens.

As figuras mais relevantes deste estilo foram o dramaturgo norueguês Henrik Ibsen e o autor teatral sueco Augusto Strindberg, não raro considerados os fundadores do teatro moderno. O autor irlandês George Bernard Shaw, por exemplo, demonstra clara influência de Ibsen.

O teatro russo começou a se desenvolver em fins do séc. XVIII. Suas figuras mais representativas, Alexander Ostrovsky e Nikolai Vassilievitch Gogol, eram de certo modo realistas, no que se refere ao estilo; mas o naturalismo viria a se impor em fins do séc. XIX, com as obras de Lev Tolstoi e Maksim Gorki.

Anton Tchekhov, embora seja mais precisamente um simbolista, tem aspectos realistas em suas peças e foi muitas vezes considerado um naturalista.

Konstantin Stanislawski, um diretor autodidata, fundou em 1898 o Teatro de Arte de Moscou e seu método de interpretação continua sendo até hoje a base de formação de atores.

Existiam ainda formas populares nos teatros de ruas e praças, com uma mistura de música, dança, números de circo e pequenas obras cômicas. O interesse pela fantasia e pelo espetáculo se alimentava da pantomima, da extravagância e do gênero burlesco.

O movimento simbolista francês adotou as idéias de Richard Wagner na década de 1880, realizando uma chamada à ‘desteatralização’ de todos os entraves tecnológicos e cênicos, substituindo-os pela espiritualidade, que deveria provir do texto e da interpretação.

As peças simbolistas do belga Maurice Maeterlinck e do francês Paul Claudel, bastante conhecidas entre o final do séc. XIX e meados do séc. XX, são pouco representadas atualmente.

A influência simbolista é também evidente nas obras dos dramaturgos norte-americanos Eugene O'Neill, Tennessee Williams e do inglês Harold Pinter, animador do ‘teatro do silêncio’, em que se dá importância decisiva à iluminação e à cenografia.

Em 1896 estréia Ubu Rei, de Alfred Jarry, obra desconcertante e provocadora, que serviria de modelo a futuros movimentos dramáticos de vanguarda e, posteriormente, ao teatro do absurdo. Paralelamente, Valle-Inclán revolucionaria a cena espanhola com a criação de seu ‘esperpento’.

O movimento expressionista teve seu apogeu nas primeiras décadas do séc. XX, principalmente na Alemanha. Explorava os aspectos mais violentos e grotescos da mente humana, criando um mundo de pesadelo no palco.

Do ponto de vista cênico, o expressionismo caracterizou-se pela distorção, o exagero e um uso sugestivo da luz e da sombra. Entre seus autores se destacam Georg Kaiser, Ernst Toller e, de certo modo, O'Neill.

Outros movimentos da primeira metade do séc. XX, como o futurismo, dadaísmo e o surrealismo, procuraram trazer ao teatro novas idéias artísticas e científicas.

O dramaturgo e poeta espanhol Federico García Lorca fundiria simbolismo, surrealismo, lirismo, realismo e formas populares em um teatro cujo eixo é a liberdade do autor ao se expressar.

O dramaturgo alemão Bertolt Brecht também se manifestou contra o teatro realista. Julgava que o teatro podia instruir e transformar a sociedade e para tal deveria forçosamente ser político.

O uso de um palco nu, em que fosse visível a colocação dos elementos técnicos e a iluminação, as cenas curtas, a justaposição de realidade e teatralidade, técnicas correntes em nossos dias, são, em grande parte, mérito de Brecht.

O teórico francês Antonin Artaud exerceu influência das mais significativas no panorama teatral após a II Guerra. Rejeitava o drama psicológico e procurava substituí-lo por uma experiência teatral religiosa, comunitária, convocando à criação de uma nova linguagem teatral, o chamado teatro da crueldade.

O gênero não-realista mais popular do século foi o teatro do absurdo, descendente das obras de Alfred Jarry, dos dadaístas, surrealistas e da influência das teorias existencialistas de Albert Camus e Jean-Paul Sartre.

Seus melhores exemplos são a peça de Ionesco O rinoceronte (1959) e a do escritor irlandês Samuel Beckett, Esperando Godot (1952).

As peças dos norte-americanos Arthur Miller e Tennessee Williams também usam recursos não-realistas.
Na Europa, o teatro não era tão comprometido com o realismo psicológico e sua precocupação central era com o jogo de idéias, que se evidencia nas obras do dramaturgo italiano Luigi Pirandello e nos autores franceses Jean Anouilh e Jean Giraudoux.

Muitos dramaturgos, como Sam Shepard, nos Estados Unidos, Peter Handke, na Áustria, e Tom Stoppard, na Inglaterra, criaram obras centradas na linguagem. Nos últimos trinta anos, as formas mais tradicionais de entretenimento foram absorvidas pela televisão.

Das formas mais populares, só o musical parece ter florescido, dando ênfase às canções, à coreografia e à comédia leve. A tendência à espetaculosidade se manteve ao longo da década de 1980, com musicais à moda de Andrew Lloyd Webber e produções como Cats (1982) e O fantasma da ópera (1988).

O teatro japonês é talvez o mais complexo do Oriente. Seus dois gêneros mais conhecidos são o teatro nô e o kabuki. Nô, o teatro clássico japonês, é estilizado, uma síntese de dança-música-teatro. Tem estreita relação com o budismo zen.
Outros gêneros dramáticos são o bugaku, um sofisticado teatro dançado e um teatro de bonecos ou marionetes chamado bunraku.

Tipos de palco teatral
Vários tipos de palco foram criados ao longo do tempo para satisfazer os diferentes estilos teatrais. Os três principais exemplos de palcos são:
o do teatro de proscênio, a versão mais comum que situa o palco em um extremo da sala e consiste numa abertura na parede que o separa do público.

O do teatro arena: o teatro circular no qual o público rodeia o palco por completo.

E o palco aberto, chamado também plataforma ou estrado.
Este palco aberto avança em direção à platéia, ficando as poltronas distribuídas na frente e nos lados da plataforma.

Produção teatral
Define os diferentes meios pelos quais se organiza e se apresenta uma encenação de teatro.
O termo teatro se aplica a produções dramáticas e musicais, mas as artes cênicas incluem também a ópera, a dança, a mímica.

O texto-base ou roteiro, cenários, figurinos, trilha sonora, marcações ou coreografia, determinam a linguagem e a ação dos intérpretes.

O teatro existe sob formas diversas: a maior parte do teatro africano, oriental, pré-renascentista e de vanguarda não esconde a teatralidade; pelo contrário, a enfatiza.
Desde o Renascimento, o teatro ocidental apoiou-se basicamente na ilusão, até que surgiu a reação proposta por Bertolt Brecht contra essa tendência que ele qualificou de “culinária” e acrítica.

O teatro pode também ser classificado de acordo com as formas de produção e finalidade. O teatro comercial atrai o chamado grande público e é produzido com intenção de obter lucros. Baseia-se no entretenimento e nele os valores artísticos e literários ficam em segundo plano.

O teatro de arte, que inclui o experimental, tem por objetivo apresentar obras de arte mais sérias, de maior peso no âmbito da literatura dramática, que criem novos modos de percepção da realidade.

Espaço teatral
O espaço cênico representa o homem na cena do mundo e seu desenho e arquitetura variam de acordo com as mudanças históricas.

O teatro grego de rituais religiosos era um espaço natural, circular, aberto à natureza em torno.
A platéia era colocada em semi-círculo em redor da orquestra, ou espaço central, cercando-o por três lados.

No séc. IV a.C. chegava a atingir de 10 mil a 17 mil espectadores.

A skene, ou área de representação atrás da orquestra era o local de guarda de material e troca de roupa dos atores, que entravam em cena por três lados. Uma plataforma mais elevada, o proscênio, veio a ser acrescentada à frente da cena, reduzindo gradualmente a orquestra.

O teatro romano tinha o modelo grego, e acrescentou arcos que permitiam construir imensos teatros ao ar livre, para 15 mil pessoas.

Os romanos inventaram também o auditorium, forma típica de pequeno teatro em semi-círculo, em torno de uma orquestra semi-circular menor. O palco era coberto e um toldo protegia o público.

A Fé Católica inspirou os dramas litúrgicos, que por volta do séc. X eram representados dentro das igrejas. Depois ganharam as praças e no séc. XIII aí eram freqüentes as encenações.

Ergueram-se mansões para representar os diferentes locais em que se desenrolava a ação seguida pelos espectadores, que se deslocavam de uma para outra.

Palcos móveis apareceram, dando origem a companhias itinerantes que iam pelas cidades em carretas cobertas tornadas espaços cênicos.

No Renascimento a cena se distanciou, fechou-se em três lados, painéis pintados davam a ilusão de realidade no palco.
A platéia lentamente separou-se em classes sociais, com espaços diferentes para cada nívei.

O teatro contemporâneo afasta as limitações formais dos espaços existentes e busca lugares menos previsíveis.
Volta-se à praça e rua, ou a espaços modulados com estilos diversos, e a disposição de cena e platéia vêm das ações dos atores.

O pessoal do teatro
Pela complexidade da produção, o teatro é sempre um trabalho de equipe, dividida em funções administrativas, artísticas e técnicas.

O pessoal administrativo inclui o produtor, os funcionários do teatro, a publicidade, a bilheteria.

O pessoal artístico compreende o autor, o diretor, os cenógrafos, os figurinistas, o iluminador, o elenco de atores e se for o caso um compositor, um libretista, um coreógrafo e um diretor musical.

O pessoal técnico agrupa o diretor de cena, os cenotécnicos e todos os responsáveis pela montagem e operação dos equipamentos utilizados.

O produtor é o responsável por toda a parte administrativa: captação e discriminação de verbas, contratação de pessoal (quando não se trata de companhia ou grupo permanente), supervisão de todos os aspectos da produção.

Como principal responsável pela produção cabe-lhe quase sempre a escolha do texto ou autor, a busca de financiamentos, o aluguel do teatro, a contratação de pessoal técnico e artístico, a supervisão da publicidade, a venda de espetáculos e todos os demais aspectos financeiros da produção.

É também o produtor que prepara as tournés , cede os direitos para cinema e televisão. Pode contratar um produtor executivo, que cuida de cada ítem da montagem, compra material para cenários e figurinos, supervisiona a execução, aimpressão de cartazes e programas, etc.

As produções que trabalham com bilheteria têm um gerente ou administrador para controle da venda de bilhetes, elaboração dos borderô, pagamento de pessoal e de direitos autorais.

O diretor toma todas as decisões criativas ou artísticas. É o responsável pela unidade, beleza e critério geral da encenação. Seleciona e distribui os papéis no elenco, realiza ensaios, supervisiona as apresentações. Também harmoniza cenários, figurinos, iluminação e som e todo o movimento da cena, ritmo e seus efeitos visuais.

Cenografia
O cenógrafo cria os cenários e muitas vezes os figurinos e a iluminação. O cenário organiza o espaço teatral da cena, e pode ser realista, abstrato ou feito de sugestões que agucem a imaginação do espectador.

Um cenário realista cria a ilusão de um local específico. No séc. XIX, auge do naturalismo, os diretores construiam cenários e objetos de cena para envolver o público com a ilusão de um episódio ou ação real.

Sérvio, famoso e influente autor do Segundo Livro de Arquitetura, trouxe modificações duradouras.
Entre elas, propunha três tipos de perspectiva cênica: a trágica, a cômica e a satírica.

O cenário abstrato, que teve o maior êxito no início do século passado, recebeu decisiva influência de Adolphe Appia e Gordon Craig.

Não apresenta um local ou momento: apenas os sugere com detalhes como escadas, plataformas, cortinas, painéis, rampas e outros elementos capazes de dar ênfase à linguagem e estimular a imaginação. Nele os figurinos e a iluminação passam a ter destaque especial.

Direção cênica
Trata da concepção geral do espetáculo, o estilo de interpretação, as marcações, a iluminação, os figurinos, a música, a ambientação e a cenografia. Desde o antigo teatro grego, com um mínimo de cenários e ao ar livre, às elaboradas encenações modernas, o teatro incorpora as possibilidades técnicas de cada época.

Rafael, Leonardo da Vinci e Giorgio Vasari criaram cenários e figurinos, e Baldassare Peruzzi, um dos primeiros profissionais especializados surgidos no séc. XVI, tornou-se famoso por seus cenários em perspectiva.

O arquiteto italiano Aleotti planejou uma estrutura de cenário que se manteve até os tempos modernos. Inigo Jones, que recebeu grande influência de Andrea Palladio, utilizaria todo o repertório de efeitos cênicos conhecidos até o momento: cenários que deslizavam sobre trilhos, máquinas voadoras e cenários giratórios; e Giacomo Torelli foi o primeiro a empregar recursos mecânicos para a troca de cenário.

Em fins do séc. XVIII foram instaladas torres sobre o cenário, de onde se podia controlar a subida e descida de telões com cordas e roldanas.

O primeiro passo para a mecanização do cenário se deu na Alemanha, com a introdução de cenários giratórios, solos deslizantes e um céu de ciclorama iluminado por luz elétrica.

A partir do momento em que Sergei Diaghilev contratou pintores modernos para seus Balés Russos, os cenários entraram em fase de grande experimentação no desenho. Foi nos Estados Unidos que todas essas tendências se sintetizaram, nas décadas de 1920 e 1930.

Depois da II Guerra os cenários do Berliner Ensemble tiveram efeito revolucionário entre os cenógrafos de todo o mundo, por sua simplicidade e plasticidade cromática, mas a tradição romântica permaneceu na ópera italiana, com o trabalho de Salvatore Fiume, Nicola Benois e Franco Zefirelli.

Pesquisa, copy e edição, Flavio Deckes, com Internet

Foto Digital - 10 dicas

Tirar fotografias não é uma tarefa tão fácil
quanto pode parecer. A habilidade em
fotografar vai muito além de um simples apertar
de um botão. Veja a seguir algumas dicas
básicas para melhorar as fotos.

1 Enquadramento
Tente fugir do clichê de colocar o assunto sempre no meio da foto. Deslocar o objeto principal da imagem pode fazer toda a diferença para deixá-la mais interessante.

Divida mentalmente o visor da câmera em três colunas e três linhas, como em um jogo da velha. As intersecções das linhas são os pontos mais interessenantes da sua foto. As linhas em si também mostram pontos de destaque, para colocar os olhos de uma pessoa ou o horizonte, por exemplo.

2 Flash desnecessário
Uma das coisas mais complicadas na fotografia é aprender a usar o flash de forma correta. Usar o flash muito em cima pode deixar a foto toda clara, e muito longe, escura.

Lembre-se que o flash tem um alcance limitado, de normalmente três a cinco metros, às vezes um pouco mais. Não adianta deixar o flash ligado em uma foto onde o foco é um objeto a 30 metros.

Um bom exemplo de mau uso do flash são shows. Em linhas gerais, não é necessário luz extra alguma nesse caso. A luz do palco é mais do que suficiente para sua foto. Usar flash só vai iluminar as cabeças de quem está na sua frente, fazendo sumir o resto.
3 Flash necessário
Um ambiente escuro não é o único lugar onde o flash é um acessório necessário. Em uma foto contra-luz, por exemplo, o flash pode ser usado como preenchimento.

Quando você for tirar uma fotografia de alguém com uma fonte de luz ao fundo, como o sol, por exemplo, você pode notar que o sol vai ficar brilhante e somente a silhueta da pessoa vai aparecer. Neste caso o flash irá suprir a falta de luz, deixando ambos visíveis.

4 Cuidado com o fundo
Tenha muito cuidado ao selecionar o local onde você vai tirar um retrato. A escolha do que aparece ao fundo é tão importante quando o que vem em primeiro plano.

Cores vibrantes, linhas e outros objetos podem interferir ou tirar a atenção do foco. Um erro engraçado, porém muito comum, é tirar foto de uma pessoa em frente a uma árvore onde os galhos parecem formar chifres sobre sua cabeça.

5 Retratos
Aproxime-se. Quando o assunto é uma pessoa, o que se quer mostrar é, oras, a pessoa. Não tenha medo de chegar perto. Se quiser, pode até cortar um pouco da parte de cima da cabeça. A esta distância é possível reparar em detalhes como sardas e cílios. O que não pode acontecer é aquele monte de nada na volta e um pequeno sujeito no meio.

6 Olhe nos olhos
Tire fotos na altura dos olhos da pessoa. Para tirar foto de criança fique de joelhos, sente, atire-se no chão. Faça o necessário para ficar ao nível dela.

7 Fotos verticais
Muitos assuntos exigem uma foto vertical. Se o foco tiver mais linhas verticais, como um farol ou uma escada, vire a câmera.

8 Aproveite a luz
Não há luz mais bonita que a luz natural do sol. Sempre que puder, aproveite-a. Posicione-se de forma a deixar a fonte de luz à suas costas, aproveitando assim a iluminação. É impressionante quanta diferença pode fazer um simples passo para o lado.

A luz difusa de um dia nublado é excelente para realçar cores e suavisar contornos, sendo excelente para tirar retratos.
É preciso de muito cuidado ao usar o flash. A luz dele, além de forte, tem uma cor diferente a do ambiente. Uma luz dura vai deixar rugas e imperfeições muito mais aparente. Já notou como sempre se fica feio em foto 3x4? Eis a resposta.

9 Cor
A maioria das câmeras digitais vêm com controle de cor, ou white balance. Esse controle de cor faz com que o branco seja realmente branco sob determinada fonte de luz. Mas as configurações pré-selecionadas da câmera nem sempre são as mais indicadas para quem quer fidelidade.

A configuração para dias ensolarados, normalmente indicada por um pequeno sol, dá um tom mais amarelado às fotos. Essa tonalidade dá uma sensação de calor e afeto, tornando a foto mais interessante sob determinados aspectos.
Experimente bastante o controle de cor até acertar o que mais se adequa ao que você quer.

10 Experimente
Não há melhor dica do que esta: experimente. O segredo da fotografia está na tentativa e erro. Leia de cabo a rabo o manual da sua câmera, para saber tudo que ela é capaz, e tente todas as configurações possíveis.

A fotografia é muito subjetiva, não há regras.
O mais importante é aprender a dominar a luz e
sua câmera, para depois fazer o que quiser.

Poesia...sem mercado

A poesia não se vende e, portanto,
não tem mais importância.
É claro que esse gênero literário não
é o único que perdeu “fatias de mercado”
na cena cultural atual.

por Jacques Roubaud *


A situação
No século XXI, agora solidamente estabelecido, a poesia continua a perder espaço: nos jornais – o Le Monde des livres, suplemento literário do diário francês Le Monde, pode passar um ano inteiro sem publicar resenhas de livros inéditos de poesia contemporânea; nas livrarias, que, na maioria, não contam mais com uma seção dedicada a obras desse gênero; e na televisão, que tampouco se interessa pelo assunto.
Uma espécie de incômodo impedia, até pouco tempo, as autoridades culturais de tirar proveito desse fato social. Mas elas finalmente se deixaram levar, talvez sem perceberem.

Essa situação é uma consequência da quase inexistência econômica da poesia – pelo menos dessa que se escreve atualmente. A poesia não se vende e, portanto, não tem mais importância.
A poesia não tem mais importância e, portanto, não se vende. É claro que esse gênero literário não é o único que perdeu “fatias de mercado” na cena cultural contemporânea.

O romance, a literatura em geral e o próprio livro foram afetados. Mas, no caso da poesia, estamos diante de uma forma extrema de desaparecimento.

De quem é a culpa?

Há quase um século – e com uma obstinação tocante – a responsabilidade por tal circunstância é atribuída aos próprios poetas. Expõe-se uma série de acusações para explicar e justificar a desafeição comercial: os poetas contemporâneos são difíceis, elitistas, a poesia é uma atividade fora de moda e ultrapassada. Os poetas são narcisistas, não se dão conta do que realmente acontece no mundo, não intervêm para libertar reféns ou para lutar contra o terrorismo, não fazem diminuir a desigualdade social, não se mobilizam para salvar o planeta e não falam a mesma língua de todo mundo. Eis porque não os lemos. Eles mesmos são os culpados por isso.

É inútil comentar tais acusações. Digamos apenas que quem se interessa por poesia, geralmente conhece e gosta de Victor Hugo, Baudelaire, Rimbaud, Apollinaire, Eluard, Aragon, Char e Michaux, por exemplo, mas acha que os poetas de seu tempo são difíceis, escrevem de maneira incompreensível e, assim, não os lê. Parece que esses leitores estão na mesma situação de alguém afetado por uma grave doença e que, depois de ficar um mês na cama, enfrenta grandes dificuldades para permanecer em pé. Ou seja, lemos cada vez menos e o que, por acaso, tentamos ler, parece impenetrável.

O Verso Internacional Livre

A situação descrita acima teve efeitos diversos sobre os poetas. A primeira consequência foi precipitar uma evolução formal, que está em andamento há muito tempo. Houve o verso livre padrão dos surrealistas, que substituiu o verso metrificado-rimado tradicional, sua demolição pela vanguarda dos anos 1960 (Denis Roche) e a conversão, bastante difundida, ao Verso Internacional Livre, importado, como tantos outros produtos, dos Estados Unidos.

O VIL é um verso não metrificado nem rimado e que, geralmente, ignora as características da tradição poética de determinada língua. Ele “muda de linha”, fugindo às rupturas sintáticas demasiado fortes. Podemos fazer VIL em quase todas as línguas. Qual é a vantagem? Evitar, sem grande dificuldade, as terríveis “taxas alfandegárias da tradução”, que desencorajam os editores e os tradutores, e escapar do confinamento nas “fronteiras do dialeto”, algo temível na era da globalização.

O VIL ainda é muito presente na cena poética mundial, em todo festival internacional de poesia, toda antologia poética ou revista literária. Suas exigências protocolares são demasiado débeis, o que promove um deslizamento cada vez mais claro em direção a uma fase (a última?) da evolução formal: aquela em que o próprio verso não é mais considerado necessário.

Já havia essa tendência – nos anos 1990, eu a constatei muitas vezes – de desaparecimento do verso, presente em grande número de poetas, que liam seus poemas como prosa, ornada retoricamente pela voz, pois é preciso ver que se trata de poesia. Nessas condições, por que não escrever simplesmente prosa?

A poesia, então, e isso é particularmente perceptível nos poetas que mais se destacam na França ou nos Estados Unidos, se faz com prosas curtas, mas não visivelmente narrativas: a ausência de uma trama narrativa clara é, assim, o único indicador de que o texto pertence ao gênero da poesia.

Ainda é possível ser poeta?

Mas por que, nessas circunstâncias, manter a afirmação de pertencer à categoria “poeta”? As respostas são, com frequência, contraditórias e ambíguas. A fraqueza da poesia no terreno econômico provoca um desprezo mais ou menos evidente em relação aos que ousam reivindicá-la.

Trata-se de um movimento natural do tipo de sociedade em que vivemos e em que vive o poeta. A poesia não se dedica muito aos acontecimentos desagradáveis que se reproduzem por toda parte – aliás, em minha opinião, esse não é seu papel. Mas, se por acaso ela tem a audácia de fazê-lo, lhe responderemos, como Stálin teria respondido a alguém que lhe falasse da oposição do papa à sua política: “O Vaticano? Quantas divisões?”.

Para as pessoas, e para a “quarta página dos jornais”, onde ficam os anúncios publicitários, ser poeta é, no fundo, rigorosamente nada.

Aliás, se dirá, a poesia, coisa nobre, não é mais o que fazem os poetas. Eles não a merecem. A poesia está em outros lugares: na canção, no pôr-do-sol, no romance etc. Pois a poesia, para as pessoas, só é concebível quando a encontramos onde ela não está.

Isso pode ser chamado, a partir de uma expressão de Yannick Liron, de efeito fantasma. A poesia está morta para todos os fins práticos, mas sua aura permanece.

Não surpreende que, para muitos, declarar-se poeta, em nossos dias, tenha algo de ridículo e até de vergonhoso. Os efeitos de decomposição formal mencionados se conjugam com o sentimento de inadequação ao mundo e com um desejo legítimo de reconhecimento social, levando um grande número de poetas a não apresentar seus livros como poesia, a negá-los.

E assim, inevitavelmente, excelentes poetas, desencorajados pela ausência de repercussão (vendas inexistentes; espera de um ou dois anos para ver seus livros publicados por editoras que não sejam minúsculas ou financiadas pelo próprio autor; o silêncio infalível da imprensa etc.), passam a se dedicar a outras atividades: ao romance, ao teatro, ao cinema ou à ópera.

Produtos de substituição

Sendo a poesia inútil, ou seja, invendável, passada, ultrapassada, atividade linguística fora de moda, gênero literário moribundo, muita gente pensou que seu desaparecimento não seria ruim, e que seu lugar seria reservado a um novo produto, livre das pressões do passado literário, “absolutamente moderno”.

A isso se dedicou no passado a vanguarda que instaurou em seu lugar o TEXTO. O “texto” desapareceu, aparentemente sem deixar rastros, mas pudemos notar um reaparecimento recente, sob a forma do documento poético.

Geralmente de dimensões modestas, lhe permite ser muito mais acessível na tela do que o romance, por exemplo. (Quem já leu Em Busca do Tempo Perdido em uma tela de computador?)

Não farei prejulgamentos sobre o futuro do e-book, que nos prometem regularmente há vários anos, mas que ainda não tem uma existência muito garantida. O “mercado”, esse personagem todo poderoso que reina no mundo, lhe prepara o terreno, por exemplo, começando a esvaziar as bibliotecas públicas.

Contudo, podemos constatar que encontramos muitos poemas na rede mundial de computadores e, que a poesia, por isso, atinge mais leitores que o livro, pois esse é pouco vendido.

Ao mesmo tempo, as leituras de poesia se multiplicaram, e os auditórios têm frequentemente dimensões respeitáveis. A economia, entretanto, uma vez mais, desempenha um papel nesse fenômeno: muitas cidades descobriram que era muito mais barato convidar um ou dois poetas do que um cantor, uma orquestra ou um balé. É nesse contexto que a “necessidade de poesia” encontrou um modo de expressão original: o slam.

Slam

A “necessidade” de andar de bicicleta se manifesta mais subindo sobre uma do que assistindo ao Tour de France3 pela televisão. O sucesso das bicicletas de aluguel em Paris é prova disso. Da mesma maneira, a vontade de entrar em contato com a música pode se realizar no karaokê e na ida a concertos, mas tal realização é sem dúvida mais plena com a participação ativa em um coral ou em uma banda de rock.

A invenção do slam, ao menos inicialmente, se baseava em um postulado explícito: todo mundo é virtualmente poeta.

Todo mundo, portanto, pode “dar uma de poeta”. O slam, se diz, é uma “arte de expressão popular oral, declamatória, que se pratica nos lugares públicos como bares ou associações, sob a forma de encontros e de justas oratórias”.

Extraio esta passagem de uma apresentação do slam: “a palavra slam designa, na gíria americana, ‘o tapa’, ‘o impacto’, termo emprestado da expressão ‘to slam a door’, que significa literalmente ‘bater a porta’. No quadro da poesia oral e pública, trata-se de pegar o ouvinte pelo colarinho e de ‘bater’ nele com as palavras, as imagens, para sacudi-lo, emocioná-lo”.

O slam pode ser identificado por várias características:

– Ele é oral;

– Ele não tem, a priori, intenções artísticas – prova, segundo seus iniciadores, de seu caráter democrático;

– É uma arte de improvisação. Dessa forma, restabeleceria o contato com a poesia tradicional popular;

– Se supõe que ele faça renascer “um velho gênero literário da Idade Média: a ‘tenson’ (gênero poético medieval praticado pelos trovadores da Occitânia), em que dois poetas se lançam em um desafio oratório sobre um assunto previamente determinado”.

Tal genealogia prestigiosa repousa sobre um contrassenso: a tenson dos trovadores era infinitamente erudita e supunha um público capaz de apreciá-la. O mesmo acontecia com a poesia tradicional improvisada, que se apoiava em práticas muito antigas, utilizando formas complexas e regras restritivas.

É impossível se aproximar de tais modelos no estado de ignorância geral em relação à poesia que existe hoje. Por isso só encontramos, na produção “slamista”, fragmentos de poesia clássica privados de suas condições de existência, métrica e ritmo. A rima acordou de seu longo sono, mas desceu ao estado mínimo, no qual reina nas composições do ensino primário. Notamos reminiscências escolares decrépitas e, principalmente, a expressão dos sentimentos mais rasos, das emoções indiscerníveis daquelas presentes nas novelas.

O vrum-vrum

O slam, sem dúvida, não apresenta um perigo muito grande para um exercício menos elementar da poesia. O mesmo não acontece em relação ao fenômeno que denomino “vrum-vrum”.

Trata-se da invasão do campo da poesia pelo que foi chamado de “poesia de performance” e que, em estreita colaboração com os “atores culturais” públicos ou privados, tomados por uma devoradora paixão pelo “espetáculo vivo”, tende a se tornar o modo privilegiado de existência da poesia, excluindo o escrito em benefício da oralidade.

Vemos assim, cada vez mais, nas manifestações que se declaram “poéticas” – festivais internacionais de poesia, por exemplo –, “poetas” cuja atividade apresentada ao público consiste em rolar embaixo de uma escada; rasgar uma grossa lista telefônica em cena; produzir, com ajuda eletrônica, sequências sonoras inusitadas e admiráveis que não incluam uma única palavra.

Quando a língua é chamada para contribuir, em um enorme número de casos, o texto produzido é medíocre.

Todas essas manifestações são respeitáveis, às vezes impressionantes, não raramente de grande qualidade artística. Mas por que chamá-las de “poesia”? Por que não denominá-las música, ginástica, número de circo, sketch, canção, balé, striptease?

Uma das obras reclamadas como emblemáticas pelos adeptos do vrum-vrum, a Ursonata, de Kurt Schwitters, se anuncia exatamente como música e não como poema. Certamente é a quase inexistência da poesia na economia que permite tal ridículo desvio. Um “poeta” desse tipo, que só apresenta sons, não precisa temer a concorrência feroz que encontraria caso desejasse se impor no campo musical.

Ler e dizer

Eu não sou profeta e não sei se o vrum-vrum se tornará ou não a única forma reconhecida de poesia. Sem ir até esse estado extremo, me parece que há o risco de se estabelecer a dominação esmagadora da dimensão oral em detrimento do livro e mesmo da tela. Isso seria uma amputação e uma regressão. Ora, existe hoje na França, como sempre existiu, poesia; muito boa poesia. Difícil ou não, que fala de tudo, de você, de nada, e que inventa, renova, surpreende, encanta.

A encontramos nos livros, revistas, gravações sonoras, vídeos; nas livrarias (elas existem) que não renunciaram a apresentá-la, a apoiá-la, a vendê-la. Leia-a, copie-a, aprenda-a, como se fazia no passado.

Esse artigo serve para defender o seguinte ponto de vista: que a poesia tem lugar em uma língua; que ela é feita com palavras – sem palavras não há poesia; que um poema deve ser um objeto artístico da língua com quatro dimensões, ou seja, composto para uma página, para uma voz, para um ouvido, e por uma visão interior. A poesia deve se ler e dizer.

* Jacques Roubaud é poeta, romancista e matemático.

Pesquisa, copy e edição - Flavio Deckes, com Le Monde Diplomatique

Pasolini.. Indispensável no séc. 21


Trinta anos após seu assassinato,
o cineasta e escritor italiano é mais
atual que nunca.
Ele soube fazer de sua arte
a busca original de uma alternativa
tanto ao capitalismo quanto às
velhas formas de combatê-lo


por Guy Scarpetta*

Em 2 de novembro de 1975, Pier Paolo Pasolini foi selvagemente assassinado, em um terreno baldio, próximo a Ostia.
Por ocasião do trigésimo aniversário de sua morte, surgiram numerosas publicações [1], testemunhando a fascinação que o escritor e cineasta italiano continua a exercer.

As próprias circunstâncias do crime,
ainda não totalmente elucidadas, só
contribuem para desenvolver, a seu respeito,
uma verdadeira lenda negra - da qual emana
uma imagem propriamente mitológica, a do
anjo do mal, do herege perseguido, do último
grande artista maldito.

Já é tempo de superar tal imagem - e de ver, antes de mais nada, em Pasolini, através da excepcional diversidade dos registros que ele percorreu (poesia, romances, cinema, ensaios críticos e teóricos, intervenções jornalísticas) um formidável exemplo, vivo, paradoxal, singular, de intelectual engajado.

Ainda é preciso um entendimento a respeito desse termo, coberto por toneladas de ferrugem, e largamente desacreditado, hoje, por todos os defensores, mais ou menos disfarçados, da ordem estabelecida.

Pasolini, evidentemente, não era nem um "intelectual de partido" (dócil, encarregado de aplicar a cartilha), nem um "intelectual orgânico" no sentido de Antonio Gramsci (encarregado de contribuir para a hegemonia cultural do "bloco histórico" pretendente do poder), nem mesmo um escritor engajado segundo o modelo sartriano (detentor do sentido da história, e subordinando qualquer prática de expressão às exigências de um combate coletivo).

Ele era, antes, alguém para quem a tarefa de um artista ou de um intelectual, a partir do momento em que se quer solidário aos "danados da terra", é a de colocar em crise e subverter as concepções de mundo dominantes, de explorar o não-dito das representações convencionais (incluídas, se for o caso, as de seu próprio campo), de fazer surgir aquilo que foi repelido do consenso social e cultural - sem nada ceder, jamais, sobre a sua singularidade (o que Juan Goytisolo, hoje, chama de "intelectual sem mandato" [2]) .

Ir além do "engajamento" comunista

É assim que Pasolini, embora não tenha jamais renegado completamente o engajamento comunista de seus anos de formação, também não deixou de experimentar a necessidade constante de ir além, ou de exceder, o que ele chamava de "conformismo dos progressistas".

Daí, por exemplo, sua insistência - na época em que o comunismo oficial, institucional, apostava principalmente no proletariado organizado das cidades industriais - no mundo camponês (com seus códigos, seus valores específicos), ou no subproletariado dos subúrbios urbanos (forma de resistir aos pretensos imperativos da História, de se focar sobre o que ela tende a marginalizar ou a excluir);

ou ainda seu interesse pelo Terceiro Mundo (no qual, segundo ele, "já existem algumas formas de tomada de consciência que contradizem, ao mesmo tempo, o racionalismo marxista e o racionalismo burguês"), ou por certos movimentos da esquerda radical norte-americana, como os Black Panthers, reputados de "atirar seus corpos na luta", de ultrapassar os esquemas revolucionários clássicos.

Rapidamente ele compreendeu que a cultura progressista do pós-guerra, nascida do combate antifascista, tinha dali esgotado suas funções ("O tempo de Brecht e de Rossellini acabou").

Esse marxismo heterodoxo está também no coração do engajamento cultural e artístico de Pasolini. Muito rapidamente, ele compreendeu que a cultura progressista do pós-guerra, nascida do combate antifascista, tinha dali por diante esgotado suas funções ("O tempo de Brecht e de Rossellini acabou").

Mas não se tratava de ceder ao purismo e ao formalismo das vanguardas literárias dos anos 1960 (na Itália, por exemplo, os poetas do "Grupo 63"), a quem ele acusou de levar uma luta abstrata, inofensiva, "puramente lingüística", de serem prisioneiras de um modo de vida "pequeno-burguês", e de esconder por trás de suas proclamações antinaturalistas um puro e simples "terror a respeito da realidade".

Ponto chave: o engajamento, para Pasolini, procede também da experiência direta, do modo de viver, da implicação subjetiva, e física, na realidade (proximidade, aqui, com alguém como Jean Genet).
E essa implicação é o que passa tão bem em sua poesia lírica, ambígua, escandalosa, em seus romances (onde a crônica vivida para coexistir com livros inclassificáveis, confrontando os registros mais heterogêneos), ou na sua arte do cinema.

Isso porque o interesse do cinema, para ele, era o de ser uma escritura diretamente ligada ao real, uma forma de captar e de revelar a realidade como uma linguagem (portanto desnaturalizá-la) - cortando e isolando planos (daí seu caráter explicitamente "fetichista") no grande "plano-seqüência ininterrupto da vida".

Disso procede, em definitivo, uma das obras cinematográficas mais perturbadoras e audaciosas do século XX:

não apenas um autêntico cinema autoral (ou o que ele designava, para se distanciar das normas narrativas do cinema comercial corrente, como "cinema de poesia"), mas ainda uma arte eminentemente paradoxal, ao mesmo tempo primitiva e maneirista, ao mesmo tempo realista (no seu amor concreto, sua atitude de fazer perceber a "linguagem dos corpos") e hiper-cultivada (em sua maneira de convocar e de misturar, no segundo grau, elementos originários da pintura antiga, da música clássica ou popular, da literatura, em uma soberba impureza).

E isso, seja tratando-se de reintroduzir a tragédia no mundo do sub-proletariado (Accatone [Desajuste Social], Mamma Roma); de ressuscitar os mitos de uma Grécia bárbara, pré-clássica (Édipo Rei, Medéia); de restituir à narrativa cristã sua violência e sua carga subversiva (O Evangelho Segundo Mateus); de elaborar estranhas parábolas, nas quais a graça se emaranha à obscenidade, para desestabilizar o conformismo ambiente (Teorema, Uccellacci e uccellini [Gaviões e Passarinhos], Porcherie [Pocilga]);

de explorar o de fora da cultura burguesa, seus antecedentes populares ocultos (Decameron, Os contos de Canterbury) ou sua alteridade oriental (As Mil e Uma Noites); ou de impulsionar a obscuridade de Sade no contexto do fascismo agonizante (Saló - 120 dias de Sodoma).

Tantos filmes que continuam, mais de trinta anos depois, a nos perturbar, por sua enigmática beleza - e que só fazem acusar, por contraste, o estado atual do cinema, majoritariamente submetido à debilidade mercadológica da indústria de entretenimento (uma obra assim, hoje, não teria simplesmente nenhuma chance de existir).

O que ele procurava na nostalgia do mundo rural, das culturas pré-burguesas e extra-ocidentais não era diferente do que o atraía no terceiro mundo ou no subproletariado das favelas romanas

O moderno nem sempre é avançado

Pasolini era reacionário? Sustentar isso, como por vezes se faz, é um perfeito contra-senso.

O que é verdade é que ele algumas vezes sustentou opiniões "indefensáveis", opostas àquilo que se apresentava como moderno ou progressista (em relação aos movimentos estudantis de 1968, por exemplo, ou ao debate dos anos 1970 sobre o aborto).

Mas, revendo hoje essas intervenções polêmicas, percebemos que elas visavam, antes de mais nada, a provocar os intelectuais da esquerda conformista (incluídos aí aqueles que eram seus amigos, Alberto Moravia, Ítalo Calvino, Umberto Eco) - e a levá-los a trair, em suas reações, justamente o que seu "progressismo" aparente poderia ter de fundamentalmente bem pensante.

Mais genericamente, é certo que Pasolini, o qual idolatrava Rimbaud, jamais acreditou que fosse necessário ser "absolutamente moderno".

Que ele jamais considerou que a nostalgia, mesmo largamente imaginária (nostalgia da Natureza, do Maternal, da Inocência Perdida), fosse também uma forma de se opor a um mundo onde a modernidade pode perfeitamente se identificar com a barbárie.

Nesse sentido, o que ele iria procurar na nostalgia do Friuli, do mundo rural, de uma diversidade cultural e dialética ameaçada pelo "progresso", ou naquela das culturas pré-burguesas (Boccaccio, Chaucer) e extra-ocidentais (Les Mille et une nuits [As Mil e Uma Noites]) não era muito diferente do que lhe chamava a atenção no Terceiro Mundo, ou no subproletariado das borgate [3] romanas: uma maneira de se apoiar sobre as "forças do passado" para melhor combater o presente quando este se torna destrutivo.

Passagem, se quisermos, de uma posição progressista (adesão cega à modernidade, troca do velho pelo novo) a uma posição de resistência (incluindo a resistência ao novo, quando este é sinônimo de opressão suplementar, de conformismo, de uniformidade).

O golpe de gênio de Pasolini (que o distingue radicalmente, diga-se de passagem, de todos os "neo-reacionários" de hoje), foi precisamente ter sabido transformar a nostalgia em força crítica.

Acredito que é desnecessário insistir a respeito de que uma tal atitude, isolada em sua época, pode ser hoje espantosamente atual: em uma situação na qual as piores regressões (especialmente as sociais) se apresentam como "modernizações" (é a própria retórica da vulgata liberal) pode ser revolucionário, então, contestar o tipo de "modernidade" imposta pela tirania do mercado?

Um último ponto, enfim, em que o engajamento de Pasolini aparece como prodigiosamente antecipatório - e quase profético.
É aquele - que praticamente só ele descobriu em sua época [4] - relativo à verdadeira "mutação antropológica" que se passa sob seus olhos, pela qual a burguesia no poder estendeu e reforçou sua dominação.

Pasolini cantou, em sua "Trilogie de la vie [Trilogia da Vida]", a liberdade sexual (sem culpa) de um mundo popular não ainda subjugado pelo puritanismo burguês.

Desde a estréia desses três filmes, ele experimentou a necessidade de os "abjurar": precisamente porque se deu conta de que o poder dos anos 1970 podia perfeitamente aceitar a "liberação sexual", e promover nesse domínio a permissividade, a partir do momento em que cada um assume o papel de consumidor, e que o sexo torna-se uma mercadoria como as outras.

É assim que o sexo deixa de ter um valor de escândalo (pois o puritanismo desaparece): ele é por sua vez absorvido, integrado, não é mais tabu (portanto mais sagrado: a mercantilização de todas as atividades humanas é uma "profanação"), ele destaca, a partir de então, o novo conformismo do consumo.

Ele percebe que o poder pode aceitar a liberação sexual e promover a permissividade, desde que cada um assuma o papel de consumidor e o sexo torne-se uma mercadoria como as outras.

"É intolerável ser tolerado"

Pasolini foi sensível a isso, certamente, a partir de sua própria homossexualidade, cuja dissolução na norma ele teme ("É intolerável, escreveu, ser tolerado") - e que valia para ele, evidentemente, muito mais como um desafio que como um fator de identidade:

"Não é tanto o homossexual que sempre condenaram, mas o escritor sobre o qual a homossexualidade não serviu como meio de pressão, de chantagem para recolocá-lo na linha [5].

Mas o mais importante é a constatação mais vasta que ele opera a partir daí: existe um formidável poder ao mesmo tempo econômico e midiático (os donos do mundo são também os da sua representação), cujo horizonte é impor o reino do rebanho generalizado, da middle class planetária, dessacralizadora e uniformizadora.

Nisso, como em tudo para ele, há uma percepção em princípio física: os subproletários das borgate são levados a sonhar em entrar para a norma, a ter vergonha de seus códigos antigos, a repudiar sua cultura específica.
Eles começam a parecer com os estudantes da burguesia (têm os mesmos comportamentos, os mesmos jeans, os mesmos cabelos longos, quase a mesma linguagem).

O terceiro mundo passa também a se moldar na pseudo-universalidade do Ocidente tecnicista e consumista, a começar pelo terceiro mundo interno à Itália (o mezzogiorno).

O "Centro" impõe um modelo único, exclusivo, em particular graças a esse terrificante instrumento de homologação e de normatização que é a televisão (que se torna, para ele, o principal inimigo, a ponto de pregar sua "destruição").

É, diz ele, o "nivelamento brutalmente totalitário do mundo", "a ordem degradante da horda". Em suma, o que o fascismo histórico fracassou em realizar, o novo poder conjugado do mercado e das mídias opera docemente (na servidão voluntária): um verdadeiro "genocídio cultural", no qual o povo desaparece em uma massa indiferenciada de consumidores submissos e alienados.

A constatação é sombria, dilacerante - sem, no entanto, deixar de ser exata: tudo isso, trinta anos depois, não fez mais do que se aprofundar.

A resistência, em resposta — pensava Pasolini — deve ser tanto subjetiva quanto política. Não há outra maneira de contestar essa "ordem", a não ser afirmar ferozmente a singularidade, o desvio, a irredutibilidade.

[1] As seguintes obras de (ou sobre) Pasolini tiveram edições brasileiras:

A hora depois do sonho (Bloch, 1968)
O pai selvagem (Civilização Brasileira, 1977)
Caos - Crônicas políticas (Brasiliense, 1982)
Amado meu (Brasiliense, 1984)
Teorema, (Brasiliense, 1984)
Meninos de rua (Brasiliense, 1985)
Os jovens infelizes - org. Michel Lahud (Brasiliense,1985)
Vida clara, de Michel Lahud (Companhia das Letras/Ed. UNICAMP, 1993)
A Paixão pelo real - Pasolini e a crítica literária, de Maria Betânia Amoroso (Edusp, 1997).

[2] A respeito de Günter Grass. In Juan Goytisolo, Cogitas Interruptus, Fayard, Paris, 2001.
[3] N. T. - favelas na periferia de Roma.
[4] À exceção, notável, de Guy Debord e dos situacionistas - que Pasolini praticamente não conhecia.
[5] Podemos imaginar o riso de Pasolini se ele soubesse que é hoje um dos objetos de fetiche dos Gays and Lesbian studies - ele, para quem a sexualidade (homo ou hetero) era antes de tudo um fenômeno singular, irredutível a qualquer medida comum
("O erotismo", dizia, "é um fenômeno excessivamente individual"; "Há abismos entre os que pertencem à mesma família erótica") - e que era, por isso mesmo, estrangeiro a qualquer orgulho de pertencimento (gay pride).

Pesquisa, copy e edição – Flavio Deckes, com Le Monde Diplomatique